São 10h30. O guardador de carros Rogério dos Santos chega para mais um dia de trabalho na Rua Áurea G. Conde (a conhecida Rua do Peixe) com a Avenida Saldanha da Gama, na Ponta da Praia.
Com uma vassoura, recolhe as folhas caídas durante a madrugada, iniciando os preparativos para a recepção dos veículos de clientes de um restaurante do local. Há três anos na rua, a atividade trouxe o que nenhum outro emprego havia lhe proporcionado: condições decentes de vida.
É muito comum, nas ruas santistas, a ação dos flanelinhas que, em sua maioria, são oriundos das camadas sociais mais pobres. Muitas vezes, coagem motoristas, tornando a atividade vítima do preconceito e do combate legal, por parte das autoridades. Sempre soube que para me manter aqui tinha que fazer diferente. Não considero meu trabalho uma forma fácil de ganhar dinheiro porque dou duro, venho em dias de sol e chuva, afirma Santos, que tem 28 anos, é casado, tem três filhos e mora de aluguel no Santa Rosa, em Guarujá.
Quando nasceu, foi entregue pelos pais maternos a um outro casal, que o criou na favela Padre Donizete, onde as casas ficam sobre palafitas. Parou os estudos na 2ª série do Ensino Médio e desempenhou atividades em lanchonetes e pizzarias, chegando a tocar em grupos de pagode para sobreviver.
Tentou entrar na Polícia Militar, mas não conseguiu, pelo fato de ser gago. Estava desempregado quando um amigo disse que eu podia trabalhar como guardador de carros aqui da rua, por conta do restaurante. Tinha uma molecada que riscava os carros de clientes que não davam dinheiro e tive que tirá-los daqui para iniciar o trabalho.
O primeiro dia de trabalho, fechou com um faturamento de R$ 100,00 e percebeu que podia ganhar muito mais. Com o passar do tempo, desenvolveu uma forma própria de realizar a contabilidade e o investimento dos valores ganhos.
Foi o suficiente para tirar a família das palafitas, colocar o filho mais novo em uma escolinha particular e, no fim do ano passado, comprar um carro, depois de vender a moto que havia adquirido meses antes.
Brigas
Durante esses 3 anos como guardador, Rogério enfrentou outros que queriam tomar o seu lugar. Foram muitos os momentos em que teve que brigar para não tomarem seu espaço.
Contudo, passou a contar com a ajuda dos donos do restaurante e dos funcionários das barracas de peixe. Todos viam que meu trabalho era honesto. Nunca obriguei ninguém a dar dinheiro e ajudo todos, sempre que posso. Por isso, ninguém queria que outros, que não pensam como eu, ficassem aqui. Teve uma vez que vieram cinco para me bater e a rua toda veio me defender.
O problema é que não eram só outros guardadores que queriam tirá-lo. A polícia sempre o abordava e, depois da instalação de uma câmera de monitoramento da Prefeitura bem em frente à rua, a Guarda Municipal foi retirá-lo, mas, desta vez, sua defesa partiu de clientes importantes do restaurante.
Atendimento ganhou simpatia dos clientes
Quando um carro chega para estacionar, Rogério dos Santos ajuda o motorista na manobra, fazendo sinais que despertam a atenção das pessoas.
E quando o motorista desliga o carro, o guardador faz questão de abrir as portas, ajudar os mais idosos e até soltar a criança da cadeirinha. Em dias de chuva, um guarda-sol é usado para levar as famílias até a entrada do restaurante.
Em dias comemorativos, Santos presenteia sua clientela com lembranças correspondentes à data. No Dia das Mães são rosas; no das Crianças, doces. O resultado de tantas gentilezas no atendimento, além das amizades, é uma renda mensal que varia de R$ 1 mil a R$ 2 mil por mês. O guardador afirma que na véspera do Natal passado faturou R$ 600,00.
As cifras são o resultado de uma média de 200 carros, em um dia bom. E existem ainda alguns clientes que lhe pagam por mês, engordando o montante final. Para o motoboy do restaurante, Washington Moura, que conhece Santos há dois anos, a determinação e a vontade do Rogério são um exemplo.
A vida nunca foi fácil para este rapaz, e tudo o que conseguiu foi sozinho. Da mesma forma pensa o atendente Pedro Belarmino, que diz nunca ter visto o guardador pedir nada para alguém. As pessoas têm carinho por ele e reconhecem todo seu esforço. A capacidade e a criatividade dele impressionam, conclui. Agora, além de olhar o carro dos outros, Santos observa o seu próprio, estacionado sob uma árvore na rua que fez de sua vida algo mais plausível.
Fonte: A Tribuna (Santos), 20 de fevereiro de 2007