Para especialistas, as pessoas bebem e dirigem porque é um comportamento socialmente aceitável. "Não há uma coação moral para quem bebe e dirige. A sociedade não olha nem torto para essas pessoas, diferentemente do que faz, principalmente em São Paulo, quando alguém acende um cigarro. Fumar parece ser crime, o que não é. Beber e dirigir, que é, não é tratado como tal", afirmou o advogado e professor de direito de trânsito Marcelo José Araújo.
Apesar das prisões de motoristas embriagados, é consenso no Judiciário que dificilmente uma pessoa será condenada à prisão por dirigir após beber. Pela lei, quem dirigir alcoolizado pode pegar de seis meses a três anos de prisão. Conhecida por sua tolerância zero ao álcool, as blitze no Rio abordaram mais motoristas do que em São Paulo - foram 579.297 desde março de 2009. Diariamente, sete pessoas são flagradas, em média.
Juiz defende obrigatoriedade do bafômetro
Para o desembargador Edison Brandão, do TJ-SP, engana-se quem acredita que a nova legislação brasileira é mais dura com quem é pego dirigindo sob o efeito de álcool. Atualmente, segundo ele, grande parte dos processos envolvendo esse tipo de crime é arquivada pelo Judiciário em todo o país porque a lei define como crime apenas quem é pego conduzindo veículo "com mais de 0,3 mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões". O motorista pode ser multado e punido administrativamente (multa de R$ 957,70 e suspensão do direito de dirigir por 12 meses), mas não é obrigado a realizar o exame. Dessa forma, quando o suspeito se recusa a soprar o bafômetro ou a ceder sangue para exame de laboratório, os juízes não podem condená-lo porque faltam provas. Para Brandão, melhor seria adotar o modelo de países como EUA e Canadá, onde o bafômetro é obrigatório. Ou aceitar outros tipos de prova.
Texto da lei faz barbeiragens e abre brechas para infratores
Parte da explicação para os tíbios resultados da lei seca está em sua redação, que ignora os princípios elementares da boa técnica legislativa e da farmacologia. O objetivo da MP nº 408/08, depois convertida na lei nº 11.705, era endurecer a punição para quem bebesse e dirigisse. Na prática abriu uma avenida para que os infratores escapem da sanção. O busílis é a nova redação que a lei deu ao artigo 306 do código de trânsito, que prevê a detenção. Aqui, o legislador inadvertidamente mudou o tipo penal, que passou de conduzir veículo "sob a influência de álcool" para "com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas". Ocorre que a jurisprudência estabelece que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Assim, se o motorista se recusar a soprar o bafômetro ou a ceder sangue para análise, não há como provar que ele excedeu a quantidade máxima. Testemunhas com fé pública podem jurar que o sujeito estava bêbado como um gambá, mas não que ultrapassou os 6 dg/l. E, sem prova competente, não há crime. Em relação à multa e suspensão da carteira, sanção administrativa prevista no artigo 165, o problema não se coloca, pois ali o tipo infracional continua sendo "dirigir sob influência". As barbeiragens não acabam aqui. Tanto o 165 como o 306 trazem a expressão "ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". Acontece que café e tabaco são substâncias psicoativas que geram dependência. Estão tecnicamente proibidos. Já LSD, embora cause alucinações, não provoca dependência e, assim, não cai na malha das autoridades de trânsito. A situação só não é absurda porque a polícia sabiamente ignora a lei.
Fonte: Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 2011