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O desenvolvimento urbano e o desafio de requalificar os estacionamentos

Por Rodrigo Cury Bicalho, Gustavo Rocha Freitas de Campos e André Leon Oliveira Zonatto* - As recentes mudanças sociais e as tendências de mobilidade possibilitaram o debate sobre a reutilização de espaços ociosos nos centros urbanos, com especial enfoque à modificação de amplos locais destinados ao estacionamento de veículos. Trata-se de olhar especial que decorre da diminuição de uso destes espaços, sobretudo pelo aumento da oferta de transporte público e da utilização de meios de locomoção alternativos ou compartilhados, como no caso de bicicletas e veículos intermediados por aplicativos, além da opção pelo home office, como regime de trabalho.

No cenário atual, estes fatores paulatinamente provocaram a redução da quantidade de veículos privados nas vias e, por consequência, a demanda por vagas de garagem, fazendo com que espaços utilizados para estacionamentos sejam afetados por um nível de ociosidade antes não observado. Este fenômeno começa a ser verificado de maneira mais clara em áreas amplas de estacionamento, como no caso dos shopping centers, grandes lojas de varejo, prédios corporativos, tanto em espaços térreos quanto subterrâneos.

Desta forma, verificada a ausência de ocupação, nasce a necessidade de repensar os espaços e considerar a utilização de maneira diversa, promovendo novas atividades que possam gerar fluxo de pessoas e receita. Há exemplos de requalificação destes espaços, como a "cidade de 15 minutos", em Paris [1], a instituição de pedágios e taxas para adentrar à região central de Londres, na Inglaterra, e as limitações legais promovidas em boa parte dos Estados Unidos da América, com destaque para medidas de desincentivo à destinação de espaços para guarda de veículos no Governo do Estado da Califórnia [2], que consideraram aspectos urbanísticos, sociais e climáticos, entre outros, para desenvolver uma nova tendência de utilização de espaços urbanos, considerando as necessidades da população e a função social da cidade [3] [4].

Esta transformação, oriunda de mudanças comportamentais e urbanísticas traz consigo aspectos e pontos de atenção jurídicos que devem ser considerados para uma futura implementação.

Apesar da função primordial de guarda dos veículos, comumente os estacionamentos também passaram a ser utilizados para eventos, feiras e outras atividades temporárias. Contudo, estas atividades, justamente em razão da sua temporariedade, não afetam os imóveis estruturalmente e possuem características regulatórias próprias e corriqueiras. Isto é, um evento temporário não demandará uma reforma ou utilização que será precedida de trâmites públicos complexos, como na hipótese de alteração de potencial construtivo e obtenção de licenças, autorizações e alvarás de aprovação e execução específicos para reformas.

A readaptação das áreas deve considerar as normas contidas nas legislações urbanísticas municipais e demais legislações correlatas, considerando, para fins de revitalização dos estacionamentos, aspectos importantes como regulações para polos geradores de tráfego, questões sanitárias relacionadas ao licenciamento das obras, questões condominiais e operacionais e o direito de construir.

No que toca às particularidades estruturais das áreas que serão convertidas e os desdobramentos causados pelo fluxo de veículos no local, o empreendimento que substituirá o estacionamento deverá estar de acordo com os requisitos para obtenção da licença de funcionamento e do certificado do Corpo dos Bombeiros. Quando se tratar de estacionamentos em subsolo, deve-se cumprir, também, requisitos descritos nas legislações sanitaristas, adequando-o às condições de luminosidade, ventilação e exposição à emissão de poluentes originados de veículos.

Além disso, considerando que parte relevante destas áreas integram empreendimentos classificados como polos geradores de tráfego, que atraem grande número de viagens e impactam o sistema viário (como shopping centers, por exemplo), vale ressaltar que a intenção de reforma das áreas de estacionamento para mudança de uso deverá estar de acordo com determinações de órgãos e secretarias municipais para fixação de parâmetros e medidas de mitigação de impacto no tráfego decorrentes do empreendimento.

Além das aprovações e documentos de caráter municipal, destacamos ainda a necessidade de superação de aprovações condominiais de cada empreendimento, quando se tratar de garagens de condomínios empresariais. A alteração da atividade de uma determinada área impactará na rotina e convivência dos condôminos e deverá ser objeto de deliberações, de acordo com os quóruns e particularidades das convenções e regimentos destes imóveis.

Ademais, os projetos de readaptação dos estacionamentos podem afetar o coeficiente de aproveitamento construtivo dos imóveis. Isto porque as áreas de estacionamento, localizadas no subsolo, térreas ou suspensas (edifícios garagem), são usualmente consideradas como não computáveis, ou seja, não pesam no cálculo do potencial construtivo dos imóveis. Por conta disto, as alterações de uso poderão acarretar o pagamento de outorga onerosa para os imóveis que não atingirem o limite do coeficiente de aproveitamento máximo para a sua zona de uso ou a necessidade de conversão de uma área, antes não computável, em computável, sem que haja a superação do coeficiente máximo para sua zona de uso, ainda que a legislação urbanística municipal seja silente a respeito.

Assim sendo, o proprietário deverá buscar a adequação do seu coeficiente por alterações no seu projeto, atentando-se à possibilidade de consequências quanto às penalidades e aos eventuais desdobramentos judiciais, ou ainda pela realização de contrapartidas que contribuam para a redução de seu coeficiente, como nos casos de doação de áreas e melhoramentos urbanos.

Nesta linha, temos que considerar que cada empreendimento terá suas particularidades e dependerá de uma análise individualizada, estabelecendo limites à propriedade a fim de garantir os direitos à segurança, à saúde e ao sossego.

A observância aos direitos de vizinhança também contribui para uma saudável coexistência com a sociedade, porquanto incluem padrões de comportamento social e os parâmetros de poluição sonora previstos no ordenamento jurídico local, observando-se o direito do proprietário de fazer cessar as interferências prejudiciais [5].

O contexto atual obriga a sociedade a repensar o espaço das cidades e a mobilidade urbana para garantir à população a infraestrutura necessária para resguardar seus direitos e elevar a qualidade de vida individual. Por isso, ganha notória importância a ressignificação dos estacionamentos perante a atratividade do novo espaço, em especial pelo desenvolvimento urbano e econômico da região, a oferta de lazer e moradia à população e a possibilidade de propiciar serviços públicos que tragam benefícios à sociedade.

Para tanto, considerando que a evolução da legislação deve sempre estar atrelada às novas necessidades da população, é essencial que este tema seja objeto de discussões junto ao Poder Público para que este apresente soluções legais e práticas que viabilizem a revitalização de estacionamentos e incentivem o desenvolvimento de novos projetos para transformação destes espaços. Uma alternativa a ser analisada é considerar como não computáveis eventuais projetos de readaptação para usos diversos (como requalificar andares de estacionamentos de prédios corporativos, por exemplo), a fim de contribuir para um crescimento lógico e ordenado da cidade e a modificação de espaços ociosos em pontos atrativos à sociedade.

[1] Disponível em: https://parkindigo.com.br/blog/cidade-15-minutos/.

[2] HABITALIBITY. Estacionamentos: mais um lugar para transformar as cidades. Publicado em 17 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://habitability.com.br/estacionamentos-mais-um-lugar-para-transformar-as-cidades/.

[3] Trata-se de princípio essencial do direito urbanístico que direciona as políticas públicas do Poder Público para o desenvolvimento urbano das cidades em conformidade com os interesses da coletividade e os direitos socialmente contemplados pela Constituição Federal de 1988.

[4] Sobre o desenvolvimento de projetos para revitalização de estacionamentos, vale dizer que o portal britânico Reinventing Parking é especializado no debate das políticas necessárias ao fomento de novas ideias aos espaços destinados aos estacionamentos.

[5] Artigo 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Rodrigo Cury Bicalho é sócio do escritório Bicalho, Mirisola, Bresolin, Dias Advogados e especializado em Direito imobiliário.

Gustavo Rocha Freitas de Campos é associado do escritório Bicalho, Mirisola, Bresolin, Dias dvogados.

André Leon Oliveira Zonatto é associado do escritório Bicalho, Mirisola, Bresolin, Dias Advogados.

Revista Consultor Jurídico, setembro de 2023

Categoria: Geral


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