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O debate sobre a reforma e o cashback tributário

Flavio Vieira Souza* - As propostas de reforma tributária e do novo arcabouço fiscal em tramitação no Congresso Nacional são tratadas como prioritárias na condução da política econômica do governo. Partindo da premissa que o sistema tributário em vigor limita o crescimento econômico e o desenvolvimento social, devido a sua complexidade, instabilidade e elevada carga tributária (33,9% PIB), pretende o governo simplificar a tributação sobre o consumo, reduzindo benefícios fiscais casuísticos, unificando tributos federais, estaduais e municipais (IPI, PIS, Cofins ICMS e ISS) cobrados com a aplicação de alíquotas uniformes, de forma não cumulativa e no destino.

Se tais aspectos forem observados pelo Congresso proporcionarão segurança jurídica, atraindo investimentos, além de reduzir o grau de litigiosidade que em 2018, apenas na esfera federal ultrapassava o patamar de R$ 3,4 trilhões, de acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria.

O novo arcabouço fiscal consiste em um conjunto de regras com objetivo de estabilizar o endividamento público, estabelecendo meta de resultado primário e vinculação do crescimento das despesas em relação às receitas, sendo necessário ampliar a arrecadação para acomodar o aumento dos gastos públicos.

A equipe econômica estima que com a aprovação da reforma tributária a arrecadação poderia aumentar até 12% do PIB em 15 anos, situação que contribuiria com o arcabouço fiscal, permitindo ao Estado retomar o papel de impulsionador da economia.

O sistema tributário em vigor agrava um dos piores problemas do país, a desigualdade. Ao tributar com maior peso o consumo (14,8% do PIB) do que a renda (8% do PIB) e o patrimônio (1,7% do PIB) prejudica a população mais pobre. A aprovação de um tributo sobre o valor agregado é analisada como possível solução.

Ao adotar uma alíquota unificada e revogar isenções concedidas aos produtos e serviços os preços relativos serão alterados em toda a economia. Alguns setores terão aumento na carga tributária, enquanto outros podem ser beneficiados. Assim é possível que haja redução da capacidade de consumo dos mais pobres, tendo em vista que produtos que compõem a sua cesta não serão mais contemplados por isenções, acarretando aumento da carga tributária, o que poderia agravar a desigualdade. Esse problema pode ser atenuado por meio da criação de isenções personalizadas aos mais pobres, mostrando-se mais eficiente do que a atual aplicação do princípio da seletividade que desonera produtos consumidos para todos os contribuintes, inclusive aqueles que possuem condições para contribuir.

A Constituição estabelece que os impostos sempre que possível terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Esse é o amparo que possibilita a criação do mecanismo, pelo qual o consumidor poderia receber de volta a parcela dos tributos pagos em itens que antes estavam desonerados, gerando impacto distributivo, o que tem sido denominado como “cashback” tributário. A adoção desse modelo pode colaborar com o aumento da arrecadação e formalização da economia, uma vez que será necessário vincular o CPF do adquirente dos bens e serviços no ato da compra para que seja possível a devolução desses valores, tornando a arrecadação em tese mais eficaz, contudo não pode ser desconsiderada a possibilidade do consumidor de baixa renda optar por adquirir produtos no mercado informal, se os preços praticados forem mais vantajosos.

Esse debate precisa ser aprofundado em relação ao processo de devolução imediata, na definição do público elegível ao benefício, forma de cadastro, periodicidade de atualização dos valores e outros pontos para garantir a efetividade da ação, contudo proponho que ainda seja analisada a possibilidade de parte desses recursos serem utilizados como contribuição para a Previdência Social da população beneficiada, o que garantiria ao cidadão hoje vulnerável, proteção, reduzindo no futuro a dependência de programas assistenciais.

A lei 12.470/2011 garantiu aos inscritos no CadÚnico sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, com renda familiar até dois salários-mínimos a possibilidade de contribuir para a Previdência com a alíquota reduzida de 5% sobre o salário mínimo, R$ 66,00 a partir de maio/2023. Considerando que o valor médio do programa Bolsa Família pago em abril/2023 foi de R$ 670,49 e aplicando uma alíquota uniforme de 25% de IVA, defendida por Bernard Appy, secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, como necessária para manter a arrecadação no patamar atual, o cidadão poderia ter restituído até R$ 167,62, valor suficiente para que possa contribuir para Previdência, ainda sendo restituídos valores que excedem a contribuição.

Ao destinar parte do “cashback” para Previdência, seria possível manter o acesso aos benefícios de aposentadorias, auxílios por incapacidade, maternidade e pensão por morte para os dependentes do cidadão. Tais contribuições podem ainda no curto prazo reduzir o déficit da previdência, estimado na elaboração do orçamento de 2023 em R$ 267,2 bilhões para o Regime Geral. Uma população superior a 21 milhões de pessoas, considerando apenas um membro por família, passaria a contribuir com mais de R$ 16 bilhões por ano, recursos que poderiam ser alocados pelo orçamento em outras ações que não a composição do déficit, colaborando com o novo arcabouço fiscal e reduzindo a desigualdade no acesso a proteção social.

Cabe destacar que tarefas rotineiras e ocupações manuais cada vez mais estão sendo executadas por máquinas excluindo do mercado de trabalho fatia expressiva da população, estimada pelo IBGE em 60% da mão de obra. A redução desses postos de trabalho acarreta aumento de pessoas dependentes dos programas sociais e exclui da proteção proporcionada pela Previdência esse contingente, que embora possuam contribuições decorrentes de atividades empregatícias exercidas no passado, tende a permanecer usufruindo benefícios sociais, face ausência de recolhimento das contribuições atuais.

A transferência de renda não deve ser o único benefício proporcionado à população de baixa renda pela reforma tributária, sendo possível alterar hábitos de consumo, garantir seu acesso a produtos e serviços além de inclusão previdenciária, reduzindo a desigualdade.

* Flavio Luis Vieira Souza é contador mestre em economia empresarial e professor de cursos de graduação e pós-graduação.

Valor Econômico - Opinião - SP - 10/06/2023

Categoria: Geral


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