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São Paulo se manterá como a capital dos shows?

Os dados do setor de eventos sobre grandes shows e festivais na cidade de São Paulo impressionam. De acordo com levantamento do Visite São Paulo Convention Bureau, só entre setembro e novembro, a capital terá 913 eventos. Desse total, 372 são shows e festivais. Os eventos musicais passaram de 1.492, no primeiro semestre de 2024, para 2.981 no mesmo período deste ano, crescimento de 100%.

Para Fabiana Lian, diretora do On Stage Lab e autora do livro Enquanto Você Toca… Guia Comentado e Biografia Coletiva do Showbusiness, São Paulo é a capital mais importante da América Latina, a que paga os melhores cachês, e isso coloca a cidade como rota quase obrigatória. “São Paulo tem capacidade econômica para absorver esse mercado. A cidade tem público que gosta de ir a shows, que gosta de postar (nas redes sociais) que está lá. Além disso, as marcas olham muito para São Paulo. É a capital na qual o show ‘vira’.”

Ela observa que o aquecimento do cenário de shows e festivais na cidade acompanha uma tendência mundial. “Isso é animador. A empregabilidade está alta. As exigências do público, não só em termos de artistas, mas de experiências, como segurança e inovação, têm sido cada vez mais atendidas.”

No entanto, há algo preocupante no cenário local, em experiência compartilhada com outros países: o que chama de sufocamento da cena independente – o público precisa escolher entre grandes festivais e casas de shows menores, o que pode, ao longo dos anos, tornar o mercado insustentável. “Se a ( cantora) Marina Sena tocou em todos os grandes festivais é porque, cinco anos antes, ela estava em festivais independentes construindo público, porque teve casas de shows com tamanho adequado para o tamanho dela naquele momento.”

Só em direito autoral Foram R$ 38 milhões até setembro, mais do que o ano inteiro de 2023, cujo valor foi de R$ 37 milhões

Para Fabiana, o futuro depende do estímulo à cena independente, que pode ser alcançado por meio de políticas de apoio, semelhantes às adotadas em

Londres, por exemplo. “Se não fizermos isso, não teremos festivais com um line up variado daqui 5 ou 10 anos”, diz. “Acho incrível que artistas como Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Caetano e Bethânia tenham ido para estádios. Mas, depois de colocar todos esses grandes nesses espaços, quais artistas traremos para essas arenas?”

O entendimento é compartilhado por Dani Ribas, doutora em Sociologia pela Unicamp e professora de Music Business, que já enxerga um momento de ajuste do mercado. “A grande audiência brasileira é explorada por grandes conglomerados, que têm grandes patrocínios, os chamados festivais de agências. Os pequenos perdem em audiência e patrocinadores.”

A especialista explica que, por mais que os grandes festivais tenham o poder de consagração do artista, o processo para isso começa nos pequenos palcos, também chamados de permanentes. São locais como Casa do Mancha, Casa de Francisca, Bona e Rockambole, que geralmente não recebem ou recebem pouco apoio de patrocinadores, da Prefeitura e dos governos estadual e federal. “Essas casas atuam como uma curadoria de excelência e revitalizam a cena. Nesses palcos, já conhecidos pelo público, é possível conhecer novos artistas, até eles serem notados pelos grandes eventos. São dinâmicas que se complementam”, explica Dani.

EXCLUSIVIDADE. A professora, que também é coordenadora do Instituto Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), traz, com exclusividade para o Estadão, outro dado importante: números da associação de gestão coletiva de direitos autorais, que reúne a maior quantidade de associados no Brasil, mostram o aumento da arrecadação de direitos autorais nos últimos três anos. Só em 2025, sem considerar o último trimestre, o maior período em arrecadação do ano, entraram na rubrica show, a que leva em conta a execução pública de música, R$ 38 milhões, mais do que o ano inteiro de 2023, cujo valor foi de R$ 37 milhões. O ano de 2024 fechou em R$ 44 milhões. “Essa rubrica show está em franco crescimento. Isso é essencial para o mercado da música”, alerta Dani Ribas.

RELAÇÃO DE ‘GANHA-GANHA’

Para Luis Justo, CEO da Rock Work, empresa que produz Rock in Rio, The Town e Lollapalooza BR, o grande desafio está em equilibrar e atender às diferentes expectativas. É preciso acomodar e satisfazer patrocinadores, que ajudam a viabilizar o negócio, realizar o desejo do público em ver grandes atrações internacionais e, dessa forma, vender ingressos, e, por fim, fomentar a cena, apresentando novos artistas, daqui e de fora. Dessa forma, ele acredita, um novo público passará a frequentar os festivais, possibilitando sua continuidade.

Justo diz que a relação do festival com São Paulo é de “ganha-ganha”. Isso se mostra em um estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e divulgado pela organização do The Town. Dados da mais recente edição do festival paulistano, realizada em setembro, apontam que o evento teve um impacto econômico de R$ 2,2 bilhões – em 2023, foi de R$ 1,7 bilhão – e arrecadação de R$ 232 milhões para a cidade, além de 25 mil empregos. “O resultado abre espaço, não só para o The Town, mas para o mercado entender que São Paulo é uma das capitais de entretenimento do mundo.” A edição de 2027 foi confirmada.

O festival também reflete no turismo da cidade. Segundo dados do Airbnb, a plataforma de hospedagem registrou aumento de 240% nas reservas durante o The Town 2025. Entre as principais cidades de origem dos hóspedes estão Rio, Campinas, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília. Os estrangeiros vêm principalmente de Santiago (Chile), Lima (Peru), Bogotá (Colômbia), Lisboa (Portugal) e Londres (Reino Unido).

Balanço da São Paulo Turismo (SPTuris) vai na mesma linha. No primeiro semestre de 2025, o faturamento do setor turístico foi de R$ 1,3 bilhão, crescimento de 17% em relação ao mesmo período do ano passado. Nesse intervalo de tempo, o fluxo de turistas nacionais na cidade como um todo cresceu 14,4%, passando para 19,4 milhões. O aumento de turistas internacionais foi maior, de 24%, fechando o primeiro semestre em pouco mais de 1,4 milhão.

Nem tudo, no entanto, é otimismo. Para Zé Ricardo, vicepresidente artístico da Rock World, a euforia por festivais desde o pós-pandemia dá a impressão de que o setor está aquecido, mas uma acomodação das ofertas deve acontecer nos próximos anos. “As faturas do cartão de crédito em algum momento se encontram.”

Ele aponta o que define como fator fundamental para que o The Town permaneça no calendário. “O público paulistano vai falar: ‘Esse festival é meu! Foi feito para mim!’. E, mais importante, e isso sempre está nos festivais que fazemos, é que eles nunca são os mesmos.”

Visão parecida têm os empresários Juliano Libman e Luiz Restiffe, da Agência InHaus, produtora, entre outros, do Nômade, festival de brasilidades que já soma seis edições. Eles também promovem o Farraial, voltado para a música sertaneja, que atrai 40 mil pessoas a cada edição anual. “São poucas cidades no mundo que têm essa quantidade de eventos, muitos no mesmo fim de semana. Isso não quer dizer que todos os festivais têm rentabilidade, que todos estão conseguindo se sustentar. Muitos eventos que existiam até o ano passado não continuaram neste ano”, diz Libman. “Não é fácil. O primeiro e segundo anos não se pagam. No terceiro, você paga os dois primeiros anos”, revela Restiffe.

Para os empresários, uma previsão de futuro para o mercado de shows e festivais é algo difícil de se fazer. Restiffe, no entanto, diz que é primordial diversificar formatos e, principalmente, apostar em eventos menores, para atrair um público que não gosta de grandes aglomerações. “A máxima é nunca colocar todos os ovos na mesma cesta.”

EMPRESAS DE OLHO NOS PARQUES

A casa do Nômade é o Parque Villa-Lobos, na zona oeste. O local já abrigou 14 eventos musicais desde janeiro e tem previsão de receber outros 13 até o fim do ano. Cada evento, em média, reúne cerca de 5 mil pessoas, de acordo com dados da Reserva Novos Parques Urbanos, concessionária responsável pela gestão do parque.

Libman salienta que, embora os shows em parques sempre tenham existido, a concessão desses espaços à iniciativa privada facilitou a abertura para esse tipo de evento, seguindo a tendência do que ocorre em outros países. “No Central Park, em Nova York, sempre há festivais. No Brasil, era mais difícil, por falta de alinhamento do poder público.”

O Parque do Ibirapuera, na zona sul, também abriga festivais como o Turá e o C6 Fest. De acordo com a Urbia, que administra o parque, neste ano foram realizados dez shows e festivais. A meta, segundo a concessionária, é superar o resultado de 2024, quando mais de 1 milhão de pessoas curtiram as atrações.

Dois grandes eventos devem contribuir para um resultado ainda maior em 2026. Um deles, em junho, é a volta da Arena Brasileira, programação dedicada à Copa do Mundo, com shows de grandes nomes da música brasileira. O outro é o estreante São Paulo Beyond Business SP2B, em agosto, que também terá agenda musical.

Para Samuel Lloyd, diretor comercial da Urbia, a reabertura da marquise projetada por Oscar Niemeyer vai reforçar ainda mais a vocação cultural do parque. “Isso fortalece a relação do público com o espaço, transformando o Ibirapuera num ambiente não apenas de lazer e natureza, mas também de expressão cultural e social.”

HOTEL COM VISTA PARA O GRAMADO DO PACAEMBU

No Allianz Parque, administrado pela WTorre, 30 shows ocorrerão até o final deste ano. Esses espetáculos de música contribuíram para que o estádio recebesse, até 30 de agosto, 753 mil pessoas. Somado aos torcedores que foram assistir aos jogos do Palmeiras, esse número sobe para 1,5 milhão de pessoas em 2025, um recorde para a arena multiúso, de acordo com a assessoria de imprensa da WTorre. Para 2026, já estão confirmados quatro shows: dois da banda de rock My Chemical Romance e dois do rappe r por t o - r i q ue nho Bad Bunny.

O Estádio do Pacaembu, agora chamado de Mercado Livre Arena Pacaembu, também entrou na disputa para receber grandes shows. A concessionária Allegra inaugurou neste ano o Mercado Pago Hall, espaço para shows e eventos com capacidade para até 9 mil pessoas. Ele fica no subsolo do hotel que está sendo erguido no lugar do antigo tobogã. A previsão de abertura do hotel é no segundo semestre de 2026.

O empreendimento vai levar a bandeira da Universal Music, que atuou como consultora sobre qual tipo de palco deveria ser instalado no espaço. Esse será o segundo hotel da marca – o primeiro funciona no centro de Madri, na Espanha, e também tem espaço para shows. Além da Universal Music, o Arena Pacaembu tem contrato com a Four Even, fundo de investimento que comprou 80 datas por ano, por 10 anos, para operar tanto os shows do Mercado Pago Hall quanto nas apresentações que serão realizadas no gramado, em formato de arena.

“Estamos nos colocando não só para receber grandes eventos esportivos, mas também de entretenimento”, diz Thiago Savoldi, diretor de Novos Negócios e Experiências da Concessionária Allegra Pacaembu. Em novembro, a arena recebe o tenor italiano Andrea Bocelli. Ele aponta o potencial desse novo modelo, no qual o hotel servirá tanto para artistas da Universal Music quanto para o público. “A maior parte das suítes terá vista para o gramado. As pessoas poderão assistir aos shows da varanda de seus quartos. Será um referencial para o Brasil e para a América Latina.”

MAIS MEGACASAS

A cidade também se prepara com novos espaços indoor. A recém-inaugurada Suhai Music Hall, casa de shows dentro do Shopping SP Market, pertencente ao Grupo São Joaquim, foi construída em um espaço de 11 mil metros quadrados e pode receber até 9 mil pessoas. De acordo com Renato Srur, sócio do Grupo São Joaquim, foram investidos mais de R$ 100 milhões na Suhai. Para 2026, a previsão é receber cerca de 80 shows, entre artistas nacionais e internacionais, além de um festival de música eletrônica. “Conheço cerca de 30 casas de shows fora do País. Estudamos várias. Vamos oferecer conforto, segurança, estrutura de transporte na porta, estacionamento e suporte para os artistas”, diz. “As pessoas gostam de entretenimento. E há carência de espaços em São Paulo.”

Outra novidade é o BTG Pactual Hall, que vai ocupar o prédio do antigo Teatro Alfa, também na zona sul da cidade. Com capacidade para cerca de 1.100 lugares, o teatro vai receber shows, musicais, espetáculos de dança e eventos variados, como de moda e tecnologia. A administração do teatro será da Aventura Entretenimento, mesmo grupo que opera o Blue Note e a Arena B3. Luiz Calainho, que lidera o L21 Corp, diz que o espaço é “multiconteúdo”. “Ele pega o espectro completo da economia criativa. Será um equipamento que vai funcionar de segunda a segunda, com conteúdo de manhã, de tarde e de noite.”

“A cidade não pode abrir mão desse setor, assim como não pode abrir mão do setor de gastronomia, da indústria ou de serviços.” - Dani Ribas, doutora pela Unicamp

O Estado de S. Paulo - 19/10/2025

Categoria: Geral


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