Com o poder público minimizando o que o código penal classifica como delito, a indústria do flanelinha tem se revelado um próspero negócio nas ruas brasileiras. Na capital paulista o mercado é potencializado pelo aumento diário de carros em circulação e a eterna falta de vagas gratuitas para estacionar. A cidade tem uma frota de 7.412.617 de veículos e apenas 536.141 lugares regulares para paradas de automóveis, sendo 36.141 em áreas de Zona Azul e 500 mil em estacionamentos privados. É nos locais de maior trânsito que os flanelinhas montam sua estrutura operacional, atuando quase que num sistema de franquia. O método, uma vez aprovado em uma região, é exportado para outras áreas, sendo explorado por outros agentes do mercado. Conforme flagrou a reportagem, um mesmo quarteirão de alto valor de arrecadação chega a ter três donos, que distribuem funcionários ao longo da via e depois dividem o dinheiro do dia, seguindo regras internas do negócio.
Não bastasse o fato de a cobrança por vaga na rua ser ilegal, uma extorsão, o que mais indigna é que tudo acontece abertamente, nas barbas da Polícia e da Guarda Civil Metropolitana. Os agentes da lei não reprimem a ação predatória dessa gente que se julga proprietária da via pública: quando muito, orientam o cidadão que se sente lesado a formalizar uma queixa numa delegacia de polícia para que seja instaurado um boletim de ocorrência. Convenhamos, essa postura chega a ser um acinte, um desrespeito ao cidadão que paga seus impostos - e, em outra medida, um estímulo à prática do ilícito. No Mercadão, os flanelinhas agem livremente exigindo até R$ 20 de quem estaciona o carro com placa de outra cidade. Para os moradores da capital, eles dão desconto de até 50%. Se o cliente não paga, corre o risco de voltar e achar o carro danificado. Essa é a lei que impera num território em que o poder público não atua.
Fonte: Diário de S. Paulo, 23 de junho de 2014