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Aplicativos, o ilegal que se torna usual

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Por Jorge Hori*

A discussão sobre os aplicativos de chamada de carros para o serviço pago de transporte individual renovou o confronto entre as visões jurídicas com as populares.

A visão popular quer a liberdade de escolha, patrocinada pelos gestores dos aplicativos, com o apoio da mídia.

A visão jurídica busca fazer prevalecer a doutrina e o corpo de leis existentes.

Segundo essa visão, as atividades públicas são as que decorrem do poder de Estado, como a atividade policial, a imposição e gestão de tributos, a determinação de leis, a aplicação da lei da justiça e outros.

Todas as demais seriam, pela natureza, atividades privadas. Mas, por interesse público, podem por decisão legislativa constitucional ser transformadas em serviços ou atividades públicas, atribuindo à esfera federativa a competência da sua regulação.

A quase totalidade é nominada e é de competência da União, como a geração, transporte e distribuição de energia elétrica.

Uma parte menor é atribuída aos municípios, segundo uma regra genérica: "serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial".

O município, pelas suas autoridades legislativa e executiva, pode, por interesse local, tornar uma atividade privada de atendimento público em serviço público.

Portanto, dizer que o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados é atribuição do município é "chover no molhado". Desnecessário e inútil.

Do ponto de vista popular há uma confusão entre a atividade privada de atendimento ao público com serviço público.

Essa confusão foi ampliada com as novas tecnologias.

Tome-se o exemplo dos cinemas ou, mais precisamente, o dos estabelecimentos de exibição de filmes, com ingressos pagos. A atividade é inteiramente privada e o seu funcionamento deve atender apenas às condições de higiene e segurança. Há, no entanto, uma discutível ingerência estatal, nacional, de obrigação de incluir na programação um mínimo de filmes nacionais.

Com a evolução da tecnologia, foi criada uma atividade complementar de facilitação ao usuário de reserva e aquisição do ingresso. Ele pode pesquisar os filmes que estão sendo exibidos, onde e comprar previamente o ingresso pela internet, inclusive pelo seu telefone celular, do padrão smartphone.

É uma atividade privada, que cobra uma taxa adicional, caracterizada de conveniência, e não muda as características institucionais das salas de exibição.

No caso do transporte individual de passageiros, mediante pagamento do serviço, as municipalidades, tradicional e generalizadamente, o caracterizaram como serviço público de interesse local, prestado segundo permissão do município. É prestado por pessoas ou empresas privadas, mas sujeito a permissão específica, com condições reguladas, como as tarifas e a forma de cálculo. A tecnologia tradicional desenvolveu o taxímetro.

A prestação desses serviços, sem a permissão municipal, sempre foi considerada ilegal e deveria ser punida. Mas, na prática, pouco fiscalizada.

A tecnologia desenvolveu uma ferramenta de conveniência que é o de chamar o prestador do serviço pelo celular.

Só que, no caso, o gestor do aplicativo o utilizou para viabilizar a prestação do serviço, fora da permissão pública.

Valendo-se de uma brecha na legislação federal sobre mobilidade urbana, vendeu a concepção de que o serviço pode ser uma atividade privada. Amplamente comprada pela população, pelos usuários e pela mídia, inverteu a importância relativa.

O que seria uma atividade complementar da atividade principal, ou dentro das discussões sobre terceirização, o que seria uma atividade-meio foi transformada em atividade fim. O que é uma atividade de conveniência do serviço principal é considerada como a principal. E como tal, por ser privada, essa condição é estendida para o serviço principal que é o transporte remunerado de passageiros. O que está sendo amplamente assumido, na visão popular.

O aplicativo e o seu uso são legais. Mas isso não legaliza a prestação do serviço principal de transporte individual por particulares. A versão popular de que não é um serviço remunerado mas "carona paga" não tem fundamento jurídico, embora tenha sido aceito em algumas esferas judiciais.

Apesar da inversão em que a visão popular confronta a visão jurídica, transformando o ilegal em usual, há necessidade de um adequado ajuste legal diante da realidade. Para descriminalizar a prática, com elevados riscos.

O escândalo Odebrecht mostra que ao longo de muitos anos, na relação entre políticos e empreiteiros, o ilegal foi tornado usual. Todo mundo fazia. E quem não concordasse não participava do mercado. Quem quisesse ser empreiteiro de obra pública tinha de contribuir "por fora". A opção era não ser. Ou ser uma construtora exclusivamente para clientes privados.

Era ilegal, mas usual e aceito generalizadamente pelo mercado, mas sem percepção generalizada pela sociedade. Quem era do mercado tinha conhecimento, embora sem ser das especificidades. Sabia que a regra do jogo era essa. Daí a naturalidade com que os delatores da Odebrecht contam os episódios, para eles usuais.

Agora, com a Operação Lava Jato e evidenciadas as ilegalidades do que era usual, a sociedade tomou consciência, escandalizada e revoltada.

Mas continua comprando ou usando aplicativos piratas, sem o devido pagamento dos direitos. Continua comprando produtos chineses de marca Naique, bolsas Luiviton, por serem mais baratas. Ou usando o transporte remunerado prestado por particulares. O que continua sendo ilegal, embora se tenha tornado usual.

A dita "República Odebrecht" agora desmontada poderá ser substituída pela "República Uber".

* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.

NOTA:

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do SINDEPARK.


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