Ao mesmo tempo, é na véspera do final de semana que os congestionamentos são recordes em São Paulo. Ou seja, justamente quando a lentidão é mais crítica, menos carros tendem a se submeter ao rodízio. A Folha obteve a distribuição dos finais de placa dos 6 milhões de veículos da frota paulistana até março passado. As que acabam em 5 e 6 lideram e somam 132 mil mais do que as com finais 9 e 0. A diferença supera a frota inteira de Diadema (ABC) ou mais de metade da de Osasco (Grande SP). Nem todos esses veículos estão sujeitos à restrição veicular (entre os isentos há táxis, ônibus, motos), muitos podem não circular no centro expandido e há automóveis de fora que também circulam na Capital. Feitas as ressalvas, os dados são um indicativo de como os motoristas condicionam a obediência ao rodízio às suas conveniências - contribuindo para limitar os efeitos da restrição.
"Os proprietários de veículos novos recusam os finais 1 e 2 e 9 e 0 por entrarem no rodízio de segunda e de sexta", diz nota do Detran, acrescentando que sexta é um dia em que muitos viajam no horário de rodízio ou saem mais cedo do trabalho. Os finais 1 e 2, impedidos de circular no rodízio às segundas, são a segunda menor frota - mas a condição não é ruim por ser um dia de trânsito mais tranqüilo. A principal explicação para a piora do trânsito às sextas são fatores comportamentais, como a saída para viajar. Mas, para alguns técnicos, a possibilidade de haver menos veículos na restrição pode ter impacto. "O efeito do volume de carros no trânsito é exponencial. Num sistema próximo da saturação, qualquer pequena alteração tem efeito significativo", diz Luís Antonio Seraphim, consultor em engenharia de tráfego e ex-assessor da CET.
O engenheiro Horácio Augusto Figueira considera que a diferença não é tão representativa diante de outros aspectos, como a evolução da frota - a Capital ganha mil novos veículos por dia. Mas admite a tendência de agravamento do desequilíbrio entre os finais de placa, já que metade dos 6 milhões de veículos foi fabricada até 1996, quando não existia a restrição. "Se hoje eles estão nesse patamar (de 18,8% da frota), amanhã devem cair para 15%", afirma Figueira.
Os motoristas que se mobilizam e tentam escolher seus finais de placa para não serem barrados pelo rodízio na emenda do final de semana, às segundas e às sextas, levaram a administração do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) de São Paulo a tomar uma decisão que afeta aqueles que imaginam contar somente com a sorte na seleção dos números. O departamento diz que a distribuição de placas é aleatória, mas a orientação é para que sejam oferecidas, prioritariamente, placas com finais 1, 2, 9 e 0, uma vez que são as menos requisitadas pelos proprietários de veículos. Ou seja, no que depender do órgão de trânsito, a tendência hoje é que quem comprar um carro novo receba uma placa sujeita ao rodízio às segundas ou às sextas, exceto para quem manifestar sua preferência. Porém, mesmo quem quer escolher a placa não tem garantia de que será bem-sucedido.
O próprio Detran, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que não existe normatização para tal procedimento, mas que, havendo disponibilidade, a solicitação é atendida. Nas concessionárias de veículos espalhadas pela Capital paulista - e que costumam fazer as transações por meio de despachantes -, os vendedores geralmente oferecem a possibilidade de escolha do final da placa a seus clientes. Mas quem tenta sozinho pode enfrentar mais dificuldades.
A reportagem Folha esteve, sem se identificar, no setor de classificação de placas do Detran. A orientação recebida foi para comprar um formulário na banca de jornal que fica ao lado do prédio, preenchê-lo, entregá-lo e aguardar a manifestação do órgão. Mas a funcionária do órgão fez questão de ressaltar: não é certeza de que será atendido. O formulário, na realidade, é somente uma carta dirigida ao diretor do Detran informando marca, ano, cor e chassi do veículo zero-quilômetro recém-adquirido, nome e RG do proprietário, além de cinco opções de placa de preferência. Mas quem quiser pode fazer seu requerimento por conta própria. O Detran diz que a única taxa a ser paga no emplacamento é a de R$ 57,29 - recolhida à Secretaria da Fazenda do Estado. Ou seja, a escolha da placa não requer pagamento de nenhum valor adicional - embora haja despachantes que cobrem para oferecer esse serviço.
O departamento de trânsito afirma que, na distribuição das placas do País inteiro, São Paulo tem a seqüência que vai de BFA a GKI, com exceção daquelas que são "consideradas ofensivas", como FDP e BOI.
Congestionamentos às sextas-feiras são 55% maiores em média
A soma dos congestionamentos entre as 7h e as 20h das sextas-feiras fica 55% acima da média do restante dos dias da semana, conforme levantamento feito pela Folha durante 20 semanas, entre os meses de julho e novembro deste ano. Os números confirmam a tendência de agravamento da lentidão do trânsito às vésperas do final de semana.
A sexta-feira soma índices de engarrafamento 93% superiores aos da segunda, 61% aos da terça e 56% aos de quarta. Ou seja, a fluidez piora progressivamente, do primeiro ao último dia de cada semana.
O especialista em trânsito Flamínio Fichmann rejeita a idéia de proibir os motoristas de escolher a placa no Detran, conforme defendem alguns técnicos, como forma de organização do rodízio. Mas Fichmann sugere uma proposta alternativa. "O motorista deve ter a liberdade de escolher a placa. A forma mais democrática é alternar os dias da restrição. Num ano, os finais 9 e 0 ficam proibidos na sexta-feira. No outro ano, na segunda", defende, embora considere "razoável" a distribuição atual dos finais de placa. Alguns especialistas consideram que a situação atual reforça a necessidade de começar a organização do trânsito já na concessionária, na hora de definir a placa do automóvel.
A CET de São Paulo considera equilibrada a distribuição existente hoje entre os finais de placa do rodízio. Ela avalia que, em média, 20% dos veículos deixam de circular nos horários de pico por conta do rodízio, de uma frota circulante próxima de 3,5 milhões de veículos -, já que nem todos saem da garagem e ficam na cidade diariamente.
Segundo a CET, os índices de obediência ao rodízio vêm se mantendo estáveis ao longo dos últimos sete anos, sendo de 86% no período da manhã e de 80% à tarde, em média. Sobre os engarrafamentos, a CET informou que "historicamente" a sexta-feira é quando há maiores índices de lentidão. A explicação para a piora do trânsito às sextas é o aumento no número de deslocamentos e viagens especialmente no período do pico da tarde. O recorde histórico de lentidão registrado pela companhia foi numa sexta-feira: 266 km no dia 9 de maio deste ano.
Segundo a Folha, a mudança nas regras do rodízio de veículos, para torná-lo mais rígido, é a medida que mais tem a aceitação da cúpula do transporte na gestão Gilberto Kassab, dentre as principais opções sugeridas por especialistas de restrição mais radical ao uso do automóvel.
Fonte: Folha de S. Paulo, 23 de novembro de 2008