Duas vezes por ano, um movimento migratório de grandes proporções acontece no Brasil. É que, todo início de semestre, milhares de jovens calouros trocam o conforto da casa da família no interior por um beliche mofado nas repúblicas universitárias das grandes cidades. Só que esses jovens calouros precisam voltar para casa em algum momento - e se agora a classe C já consegue viajar de avião, a maioria dos universitários brasileiros ainda não pode se dar ao luxo de fazer uma viagem intermunicipal em ônibus executivo (aquele com wi-fi meia-boca e bolacha salgada à vontade).
A solução geralmente é pegar carona com o conhecido de um amigo que quer rachar a gasolina. Mas como saber se o conhecido do seu amigo vai para casa no fim de semana? E se ele não for confiável? E se você não tiver amigos? Para resolver todos esses problemas, um grupo de estudantes da Universidade Estadual de Campinas criou ainda em 2007 o CaronasUnicamp, um site que permitia que os alunos se conhecessem, combinassem pontos de encontro e avaliassem o desempenho dos colegas motoristas. "Começamos com uma universidade e, com o tempo, adicionamos outras", conta Guilherme Souza, um dos fundadores.
O site, hoje chamado de Unicaronas, foi um dos pioneiros no Brasil de um movimento que depois ficou conhecido como economia compartilhada - e que parece ser fruto de uma mudança comportamental da geração Y. "É uma outra cultura, em que as pessoas são incentivadas a ganhar e economizar dinheiro utilizando coisas que elas já possuem", diz Rachel Botsman, autora do livro O que É Meu É Seu - Como o Consumo Colaborativo Vai Mudar o Nosso Mundo. O grande expoente desse novo modelo econômico é o aplicativo norte-americano Uber, que estreou no Brasil em junho e abriu um escritório em São Paulo há três meses.
O Uber apresenta motoristas a usuários que desejam fazer um determinado trajeto de carro e fica com 20% do dinheiro cobrado pelo dono do veículo. Mas outros setores também começam a apostar nos serviços de compartilhamento. No já famoso site Airbnb, é possível alugar um quarto, uma casa ou mesmo um castelo; no Bliive, você usa seu tempo livre para dar aula sobre um assunto que domina e, em troca, recebe aulas sobre um tema que é do seu interesse; no ParkingAki, você pode alugar sua vaga de estacionamento caso não tenha carro em casa.
Nessa economia colaborativa, ganha mais quem é mais confiável. Rachel acredita que a confiança virtual está acontecendo em ondas: a primeira foi quando passamos a compartilhar informações online, a segunda no momento em que começamos a oferecer nossos cartões de crédito na rede, e agora estamos presenciando o surgimento de uma terceira onda: estamos dispostos a fazer conexões com estranhos para compartilhar nossas coisas, produtos e serviços.
Surgem novos modelos de renda e emprego através da prestação de serviços sob demanda, diminui o consumo e aumenta a variedade de produtos disponíveis. Há quem diga até que aplicativos como o Uber e o Unicaronas colaboram para melhorar o trânsito, já que teoricamente diminuem o número de veículos em circulação. Mesmo assim, algumas pessoas não estão satisfeitas.
Coincidência ou não (provavelmente não), muitas delas são justamente as mesmas que estão perdendo dinheiro.
FORA DA LEI
O Uber enfrenta dificuldades legais desde que chegou ao Brasil. Em algumas cidades, as prefeituras determinaram que os serviços de caronas eram ilegais porque os motoristas não possuíam as credenciais exigidas pelos municípios para transportar terceiros, como a checagem de antecedentes criminais ou seguro do veículo. Associações como o Cofeci-Creci, que regula o setor imobiliário, também questionam as práticas do Airbnb.
"A intermediação de locação, mesmo que para temporada, interfere nas prerrogativas legais dos corretores de imóveis, e pode ser autuada como exercício ilegal da profissão", diz João Teodoro, presidente do Cofeci-Creci.
Assim como a locação via Airbnb, caronas que incluem a divisão das despesas de viagem também são consideradas ilegais. "Quando a carona é paga, torna-se um transporte remunerado sem o devido licenciamento", de acordo com a secretaria municipal de transportes do Rio de Janeiro. No Brasil, o Uber contornou o problema ao conectar os passageiros apenas com motoristas profissionais, que possuem o próprio carro regulamentado ou que trabalham para empresas de transporte.
"Todos precisam ter um seguro que inclua os passageiros, além de uma autorização para usar o veículo para fins comerciais", esclareceu a empresa à GALILEU. "Além disso, todos passam por um rigoroso processo de checagem de antecedentes criminais, bem como das condições do veículo."
Como tudo funciona na base de combinações entre as partes, desencontros podem acontecer e, caso um acordo não seja alcançado, fica complicado acionar instâncias regulatórias, como o Procon, por exemplo.
Agora, cabe ao governo e às entidades reguladoras descobrir qual é o papel deles nessa economia pautada pelo compartilhamento, diz Rafael Zanatta: "É preciso evitar o maniqueísmo. Não se trata de identificar os "bonzinhos" e os "malvados" da história, mas de compreender como essas tecnologias podem ser utilizadas para avançar o bem comum e desencadear uma economia colaborativa".
Fonte: Revista Galileu (SP), 1º de dezembro de
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