Um dos objetivos do urbanismo moderno é aproximar a moradia do trabalho e de outras funções urbanas, de tal forma que o acesso a essas possa ser feito a pé, ou de bicicleta, dispensando o uso de veículos motorizados.
Tal objetivo está explícito na lei do Plano Diretor de São Paulo, orientando as normas de uso e ocupação do solo. No entanto, pouco efetivado até agora.
Vai na direção oposta à concepção tradicional, ainda persistente, da cidade jardim, onde a melhor solução de vida na cidade era morar em local estritamente residencial e trabalhar distante, sem a interferência dos ruídos e da fumaça das indústrias. A cidade foi deixando de ser industrial, passando a ser predominantemente de serviços, mas manteve a mesma concepção de ocupação e uso do solo.
Esse modelo de trabalho no centro e arredores e moradia na periferia trouxe uma grande movimentação entre um e outro, gerando os constantes congestionamentos. Só lembrando que, em São Paulo, significava trabalhar no centro velho ou no Brás/Mooca e morar no Jardim Paulista (a classe média) ou no Jardim América (os mais ricos).
A aproximação entre a moradia e as demais funções urbanas envolve diversos níveis, sendo o mais radical o de morar e trabalhar em casa, ligado pela internet, com o uso máximo dos serviços de entrega em domicílio (delivery).
Atualmente, com a tecnologia da informação, é possível exercer todas as atividades humanas-urbanas sem sair de casa. Quase tudo pode ser pedido via internet ou telefone e ser entregue em casa.
Pode-se dispensar um veículo e a necessidade de estacionamento, porque não há mais viagens externas.
O modelo desejado pelos urbanistas, no entanto, não chega a tal radicalismo. O ideal seria o das pequenas cidades, com moradia e demais funções urbanas próximas, mas mantendo essas funções comuns com relações pessoais, promovendo a sociabilidade. Haveria sempre centros de atração e deslocamentos, entremeando áreas ricas com médias e pobres. As realidades não seriam isoladas.
Na verdade, esse modelo vem se desenvolvendo, mas não no modelo desejado da pequena cidade, mas de médias cidades, com mais de cem mil habitantes por núcleo ou polo.
Dentro dessa concepção de aproximação das atividades urbanas a novidade é o conjunto multifuncional, agora ampliado para os condomínios multifuncionais.
No primeiro caso, um exemplo já clássico é o Conjunto da Brascan, no Itaim, onde havia anteriormente a fábrica de chocolates da Kopenhagen. Não muito distante das áreas estritamente residenciais como o Jardim América e Jardim Europa, mas ficava nos arredores da cidade.
Com torres de escritórios e de hotel, com um "minishopping" envolvendo lojas, praça de alimentação e cinemas, cercado de residências, reúne numa só área diversas funções urbanas, num só espaço. E para atender aos que acessam o mesmo de carro, há um amplo estacionamento sem acesso direto às torres. O que permite atender aos diversos objetivos dos usuários.
Mas, aparentemente, os que trabalham no local ou utilizam os seus serviços e moram nas proximidades ainda são poucos. A maioria ainda enfrenta grandes distâncias e congestionamentos para chegar ao local. O que para o operador do estacionamento deve ser um bom negócio.
A expansão desse conceito, motivado pelas dificuldades de movimentação dentro da metrópole, são os condomínios multifuncionais, com uma gama mais ampla de funções urbanas, dentro de uma mesma área. Agora o conceito do "três em um" se amplia para o "quatro em um" (moradia, trabalho, consumo e lazer). O que os torna praticamente autossuficientes. Permitindo às pessoas exercerem todas as funções urbanas praticamente sem sair do condomínio.
O que levaria à formação de um gueto: de famílias de maior renda, servidas por "imigrantes" vindas de outras áreas, distantes ou próximas. O próximo poderia ser a formação ou desenvolvimento de favelas, como Paraisópolis junto ao Morumbi, ou das favelas em Bertioga que atendem aos moradores da Riviera de São Lourenço.
As metrópoles enfrentam uma grande contradição na sua ocupação e uso do solo. O modelo tradicional que, supostamente, favorece a socialização, na prática junta as pessoas - isoladas no seu automóvel - cada qual reclamando de estar num congestionamento.
O novo modelo cria polos relativamente autossuficientes, mas com tendência de segregação social.
O que precisa ser levado em conta é a autossuficiência dos moradores e a autossuficiência dos empreendimentos comerciais e de serviços do condomínio. Uma situação é de lojas ou serviços de uso exclusivo dos condôminos. Outra é de uso aberto do comércio e serviços. Os impactos urbanos são diferentes.
*Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.