No dia 2 de setembro, o Sul21 revelou em primeira mão que a Prefeitura pretendia incluir a construção de um estacionamento subterrâneo no processo de concessão do Parque da Redenção. Nesta segunda-feira (26), a reportagem conversou com a secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, sobre a concessão. Também discutimos a proposta do ponto de vista ambiental e urbanístico.
A Prefeitura planeja para 2023 as concessões de dois pacotes de áreas públicas. O primeiro deles inclui o Parque da Redenção em conjunto com a Orla do Lami, enquanto o segundo envolve o Parque Marinha do Brasil e o Trecho 3 da Orla do Guaíba.
Na conversa com o Sul21, Pellini destaca que a ideia das concessões tem origem no vandalismo de áreas públicas, caracterizado por problemas como o roubo de fios.
“Não se pode ter uma obra de arte, qualquer coisa que tenha dentro dos parques é vandalizada e roubada. Isso decorre de ‘ene’ coisas, que nem valeria a pena aqui discorrer”, diz.
Pellini pontua que a Prefeitura já teria uma série de medidas para enfrentar o problema, como as políticas de prefeito de praças e adoção de espaços públicos, bem como o aumento de verbas para a manutenção, mas que elas seriam insuficientes. “Nós estamos pensando em botar banheiros públicos em vários locais. Estamos fazendo estudos, porque botar o banheiro é fácil, o difícil é manter o banheiro, porque roubam tudo. O banheiro é o mínimo da civilidade e a gente não consegue manter um banheiro público aberto em Porto Alegre, numa área pública, porque roubam tudo, porque dá sujeira, porque vira motel. Então, a gente tem que tomar providências para que isso melhore”.
A secretária diz que a avaliação da Prefeitura é de que áreas como a de grandes parques precisam de medidas “mais robustas”. Ela pondera que a concessão do Trecho 1 da Orla em conjunto com o Parque Harmonia, processo que ocorreu ainda no governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), foi bem-sucedida e abre espaço para os novos processos.
“O acampamento Farroupilha foi um sucesso, teve centenas de milhares de pessoas lá e a empresa concessionária atendeu de uma maneira bem adequada, não se teve nenhum incidente, o pessoal saiu satisfeito. Então, mostra que o caminho da concessão é bom”.
A Secretaria Municipal de Parcerias (SMP) pretende lançar a consulta pública sobre a concessão conjunta da Redenção e do Lami no final de outubro deste ano. O processo deve durar ao menos 60 dias, podendo se estender por até 90 dias. Também devem ser realizadas audiências públicas, ainda sem datas definidas, mas que podem ser simultâneas às consultas públicas.
“É muito importante, neste momento, ouvir quem usa o parque. A gente vai botar em consulta pública um edital, onde tem as condições, o que o concessionário tem que fazer, como ele tem que cuidar do parque, o que o município ainda vai fazer, as obrigações das partes. Então, é muito importante que os usuários das áreas leiam e vejam o que eles acham que pode ser melhorado, fazer críticas, sugestões”, diz a secretária.
Após a realização de consulta e de audiências públicas, o edital será encaminhado para análise do Tribunal de Contas do Estado, que, segundo a secretária, terá ao menos três meses para esta etapa. Caso sejam necessárias alterações, o prazo pode ser estendido. Com isso, a SMP trabalha com a ideia de que os editais devem ser lançados no primeiro semestre de 2023. “A gente não tá com pressa, viu? O importante é que tudo corra bem”, diz Pellini.
Apesar de a Prefeitura destacar que existirá um período de consulta pública e de audiências, Betânia Alfonsin, integrante do Conselho Diretivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), avalia que o processo é uma inversão da lógica da participação popular, uma vez que o projeto foi primeiro elaborado a partir de encontros com empresários interessadas e só posteriormente, com a modelagem encaminhada, será levado para discussão com a sociedade.
“Isso ofende o Estatuto da Cidade, porque uma diretriz da política urbana é a gestão democrática por meio da participação da população, de associações representativas de diferentes segmentos em todas as etapas de formulação, acompanhamento e execução desses planos, programas e projetos para as cidades. Então, já começa por aí, está ofendendo a lei federal ao não ter chamado a população para opinar a respeito”. “E a Redenção interessa a diferentes segmentos de Porto Alegre. Tem roda de capoeira, tem feira, tem grupo que faz ginástica, que faz yoga, tem bloco da laje, tem gente que vai fazer piquenique, que vai tomar chimarrão, que passeia com o cachorro, que faz manifestação política. É uma ofensa absurda”, avalia.
Ela também questiona o fato de que, com a pandemia, as audiências públicas têm sido descaracterizadas ao serem feitas em ambiente virtual, em que uma visualização é contada com a mesma representatividade de uma presença física em um evento do tipo.
Estacionamento subterrâneo
Para a reportagem do dia 2 de setembro, o Sul21 teve acesso a um vídeo da apresentação sobre as concessões feita pelo diretor de Estruturação de Desestatização da SMP, Fernando Pimentel, em um evento fechado para empresários em São Paulo. Na ocasião, Pimentel afirmou que o atrativo para a concessão da Redenção e do Lami, áreas que somam 408 mil m², é a possibilidade de construção de um estacionamento subterrâneo com 577 vagas junto ao Auditório Araújo Viana.
“O estacionamento é o elemento que dá a sustentabilidade financeira para o projeto, porque o Parque da Redenção é um parque altamente deficitário em relação à quantidade de serviços que ele precisa fornecer”, disse Pimentel, na ocasião.
Nesta segunda, Pellini confirmou a informação. “Na nossa modelagem econômico-financeira, [o estacionamento] é o que dá receita para o concessionário cuidar do parque de uma maneira adequada. Do parque como ele é hoje, porque a Redenção é tombada e não tem muito o que fazer ali a não ser conservar melhor os espaços. Então, o estacionamento subterrâneo é uma ideia antiga. Foi feito o projeto quando foi feito o projeto do Araújo Viana, pelo mesmo arquiteto, que doou para o município. É o mesmo projeto, embaixo das quadras que existem bem ao lado do Araújo Viana. Ele praticamente ficaria invisível, porque é um mergulhão”, diz, explicando ainda que o acesso seria pela Osvaldo Aranha.
Pellini ressalta que o fato do parque ser tombado não permite alterações de caráter definitivo, apenas a qualificação de espaços existentes, como a área do Mercado do Bom Fim, que atualmente está com lojas desocupadas, e a instalação de atrações transitórias.
Para além da viabilidade, ela diz que a Prefeitura considera que há uma necessidade de estacionamento no local. “Há uma necessidade, porque aos sábados e domingos, quando faz dia bonito ou quando tem show, é bastante tumultuada a busca por estacionamento na rua, tem flanelinha, enfim, é bem complexa a questão do estacionamento, o que leva a crer que teremos uma boa demanda.”
Ana Pellini diz que, com o valor do estacionamento e mais algumas atrações de caráter transitório, será possível garantir a conservação do parque. “Agora, em hipótese nenhuma tem previsão de cercamento e de cobrar ingresso para entrar. Eu tenho visto nas redes sociais que não vai mais poder fazer manifestação política, não sei de onde que as pessoas tiraram essa ideia equivocada”, diz.
Ela destaca também que a concessão da Lami foi colocada junto com a Redenção porque não há perspectiva de geração de receita e que a Prefeitura definiu, então, que seria necessário juntar as duas áreas para garantir que fossem feitos investimentos de promoção dos esportes aquáticos. “A ideia é preparar a Praia do Lami pra que seja um local onde o pessoal que deseja praticar esportes aquáticos possa fazê-lo”, diz.
Da mesma forma foi pensada a unificação da concessão da Orla 3 e do Parque Marinha do Brasil. No Marinha, será incluído no edital a obrigatoriedade de renovação das quadras esportivas e de construção de uma pista voltada para esportes com bicicleta, a ser construída ao lado do atual velódromo. A Prefeitura entende que é preciso separar as áreas de skate e bicicleta para evitar a depreciação da pista de skate, uma vez que esta hoje é certificada para competições internacionais.
No caso da segunda concessão, ela diz que a viabilidade financeira virá da exploração publicitária do Trecho 3 da Orla. “No domingo (25), não dava nem para caminhar lá. Então, qualquer ponto publicitário que tu coloque patrocínio é muito rentável”, diz.
Os bares do Trecho 3 também serão incorporados à concessão, mas não há previsão de alterações permanentes. No Marinha, a previsão é de que haja um espaço em que poderá ser instalado circo ou parque temático com cobrança de ingresso.
A secretária diz que todas as contrapartidas de prestação de serviços que ficarão sob responsabilidade do concessionário serão apresentadas na consulta pública, mas que ainda não estão totalmente alinhadas na Prefeitura. “O óbvio é que eles vão ter que melhorar o cuidado com o que lá nos temos”, diz, o que inclui a preservação das espécies vegetais.
Sul21 (matéria na íntegra: https://sul21.com.br/noticias/geral/2022/09/prefeitura-justifica-concessao-da-redencao-em-razao-do-vandalismo-e-confirma-estacionamento/), 30/09/2022