A atual crise é frequentemente comparada à crise financeira de 2008. No caso do mercado imobiliário, contudo, o contraste não poderia ser maior. Naquela época, a utilização disfuncional de imóveis como garantia de crédito inflou a bolha cujo estouro precipitou a debacle de grandes instituições financeiras. Hoje, ao contrário, o setor imobiliário é uma das alavancas da recuperação.
O Summit Imobiliário promovido pelo Estado teve particular interesse por espelhar os desafios e oportunidades advindos com a pandemia. Um dos aspectos abordados foram as mudanças panorâmicas no urbanismo contemporâneo. No século passado o planejamento urbano foi fortemente marcado pela aversão aos centros metropolitanos, vistos como núcleos poluídos e violentos, dos quais era preciso fugir valendo-se de automóveis e do espraiamento da moradia rumo às periferias. No século 21, o adensamento está voltando a ser visto como uma ferramenta para criar ambientes diversos, inclusivos, criativos e sustentáveis.
No entanto, “morar em regiões dotadas de infraestrutura, como é o caso do centro expandido, próximas a emprego, hospitais, escolas, tornou-se privilégio de quem pode pagar”, observou em artigo no Estado Basilio Jafet, presidente do Secovi-SP.
Um dos desafios das administrações municipais, a ponto de serem renovadas, é rever as leis de zoneamento para promover um adensamento equilibrado. Outro tema são as mudanças comportamentais aceleradas com a pandemia, como a relativização do espaço de trabalho e a valorização do lar como um refúgio contra as intempéries do mundo. Boa parte da vida profissional será absorvida nas moradias e as pessoas terão cada vez mais flexibilidade para escolher onde morar.
Uma das tendências é integrar a tecnologia às ofertas de moradia. O interesse por imóveis com áreas compartilhadas de trabalho e lazer também cresce, assim como por imóveis alugados. Para que as oportunidades desse mercado em vibrante transformação sejam aproveitadas para reduzir o deficit habitacional e gerar empregos, arrecadação e investimentos, será necessário readequar o papel do Estado e do mercado de crédito. Para o centro de São Paulo, por exemplo, há anos se sucedem um após outro planos grandiosos, mas que ignoram soluções simples, como uma legislação para os bens tombados que confira mais autonomia no reaproveitamento dos imóveis para novos usos, o chamado retrofit.
“O poder público não tem de ser protagonista, mas tem de buscar equilibrar as necessidades da sociedade e dos empresários”, disse Otávio Zarvos, da Idea Zarvos. Segundo o secretário de Habitação do Estado de São Paulo, Flavio Amary, o papel do Estado não deve ser de interferência, mas de facilitação. Essa facilitação passa por políticas macroeconômicas capazes de manter os juros baixos e a inflação sob controle. Passa também pela resistência a tentações populistas.
O Congresso, por exemplo, flerta a todo momento com a ampliação dos saques do FGTS. Se isso pode ser um expediente circunstancial para injetar liquidez na renda da população, é preciso lembrar que o FGTS é a principal fonte de recursos para financiar mobilidade urbana, saneamento e habitações de baixa renda. Um exemplo de modernização do Estado é o novo marco do saneamento, que, ao facilitar a entrada do capital e da gestão privada, possibilitará que habitações clandestinas sejam servidas por infraestrutura sanitária e regularizadas. Como disse Basilio Jafet, com a titularidade de um imóvel vêm não só a propriedade, mas “a territorialidade, a vizinhança, o pertencimento, o empoderamento; vêm a cidadania, o civismo, a responsabilidade com o que é seu e de todos”. Tudo somado, se houver uma boa articulação junto ao poder público e ao mercado financeiro, o setor imobiliário tem tudo para ser uma alavanca de recuperação econômica, justiça social e cidadania.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Notas & Informações - SP - 14/10/2020
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