A oferta de vagas para estacionamento, nas grandes cidades, é uma necessidade essencial da vida urbana, porém, percebida e considerada de formas distintas pela sociedade.
De um lado, os usuários, os motoristas de automóveis, querem sempre encontrar vagas disponíveis para estacionar o seu veículo, próximo ao seu local de destino, com segurança, conforto e preços módicos.
De outro lado, os "transporteiros" veem os estacionamentos como vilões que estimulam o uso do automóvel, em detrimento do transporte público e coletivo, sendo um dos responsáveis pelos crescentes congestionamentos.
As próprias pessoas querem os estacionamentos, enquanto usuários, e abominam o estacionamento, quando são ou estão não usuários. E muitos acreditam que, se houver restrições aos estacionamentos, as pessoas que têm carros deixarão de usá-los, preferindo fazer a viagem por meios coletivos.
Os defensores dos estacionamentos usam o argumento fático e histórico de que as restrições aos estacionamentos levaram as áreas onde isso ocorreu à deterioração. Como no Centro tradicional de São Paulo.
Essa contradição faz com que o Poder Público tenha dificuldades de decidir sobre a questão do(s) estacionamento(s) e definir uma política pública de (ou para) estacionamentos.
Não há como superar esse impasse se mantido o foco sobre os estacionamentos.
Porque o estacionamento não é uma demanda primária. Ou seja, as pessoas não procuram as vagas como finalidade. A finalidade principal está no desejo de ir a algum lugar, saindo de outro, o que implica uma viagem.
A tríade principal está numa origem, num destino e numa viagem. A origem usual é a moradia, a residência. O destino decorre de uma necessidade urbana que pode ser o trabalho, o estudo, a compra, os cuidados com a saúde, o lazer etc.
A viagem para ligar a origem ao destino pode ser feita de diversas formas, daí nascendo a divergência de posições em relação aos estacionamentos.
Uma viagem por meio coletivo reduz a necessidade de espaço nas vias de circulação, pois um ônibus com até quatro vezes o tamanho de um automóvel pode levar - com conforto - 40 pessoas. E dispensa a necessidade de estacionamentos no destino.
O sonho dourado de alguns urbanistas é que todos acorram a um destino dentro da cidade por meios coletivos, com o que não haveria necessidade de estacionamentos. Pois ninguém estaria chegando a esses destinos de automóvel particular. Quando muito, seriam permitidos os táxis, que não são coletivos, mas públicos.
Esse sonho mostra o papel terciário ou derivado do estacionamento.
Em primeiro lugar, se não há a viagem urbana, não se gera a demanda para estacionamentos nos destinos. Em segundo lugar, se a viagem for realizada por outros meios de movimentação que não o carro particular, também não se cria a demanda para o estacionamento.
Dessa forma não pode haver uma política pública independente para estacionamentos. Toda origem está na tríade inicial destino-origem-meio da viagem. O que é muitas vezes simplificado como transporte e uso do solo. Mas a questão é mais complexa.
Por que ocorrem determinadas concentrações de demanda de pessoas a um determinado destino? Por que as pessoas preferem usar o meio particular, em vez do coletivo, apesar de saber que vão enfrentar congestionamentos nas vias e dificuldades em encontrar vagas? (Esta segunda indagação tentaremos responder em outra oportunidade.)
As concentrações urbanas decorrem de uma interação entre as demandas individuais e o mercado imobiliário. Os agentes do setor imobiliário percebem uma tendência e criam ou desenvolvem a oportunidade. O seu principal atrativo é a valorização patrimonial, a valorização do ativo. O que decorre de uma dinâmica de adensamento, ou seja, de concentração sucessiva.
Esse processo parte de um desequilíbrio - no qual a oferta de espaços para as atividades urbanas é maior que uma demanda fraca - para se desenvolver gerando um novo desequilíbrio: a demanda se torna dinâmica e acaba superando a oferta dos serviços básicos, entre essas as vias públicas e vagas para estacionamentos. A partir daí pode ocorrer uma degradação.
A regulação sobre o uso do solo não tem sido suficiente para gerenciar esses desequilíbrios.
Como consequência, a dinâmica real da cidade ocorre pela dinâmica do mercado, referenciada, mas não determinada, pelas regulações públicas.
E as vagas para estacionamentos nessas áreas de maior densidade, uma oferta insuficiente para as demandas criadas pelos atrativos de destino e inadequação do transporte coletivo.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.