A Assembléia Legislativa deu ontem a policiais e fiscais gaúchos uma nova arma no combate a uma chaga da segurança pública.
Na tentativa de coibir o roubo e o furto de veículos, os deputados aprovaram, em votação unânime, o cerco aos desmanches e à venda de peças usadas no Estado. A lei prevê que os ferros-velhos só poderão retirar as peças e os acessórios dos veículos no momento da venda.
As lojas também precisarão criar um fichário, onde guardarão documentos para comprovar a origem de cada carro e o destino de todos os produtos negociados. A medida, que aguarda a sanção da governadora Yeda Crusius, entrará em vigor 90 depois da publicação no Diário Oficial.
Para ter eficácia, a lei precisará de regulamentação do Piratini na definição do órgão responsável pela fiscalização, mas o secretário da Segurança Pública, José Francisco Mallmann, não vê obstáculos. "A própria Brigada Militar pode fiscalizar. É preferível que ela faça operações em desmanches do que verifique carro por carro nas barreiras", avaliou o secretário.
Segundo o diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Ranolfo Vieira Junior, as novas exigências facilitam a vigilância, porque criam um instrumento que permite aos policiais descobrir a procedência de um acessório à venda.
A regra em vigor hoje cria dificuldades porque a polícia precisa confirmar a ilegalidade caso queira punir um dono de desmanche - uma tarefa complicada porque as peças não apresentam numeração.
Porto Alegre superou o Rio em roubo de carros
O autor da proposta, deputado Adroaldo Loureiro (PDT), defendeu que as restrições aos ferros-velhos se justificam em razão de uma constatação da Secretaria da Segurança Pública. Ela estima que, pelo menos, a metade dos carros roubados ou furtados que não são recuperados acaba nos desmanches, que abastecem o comércio irregular de acessórios automotivos.
Os outros veículos servem para que bandidos cometam crimes, alimentem fraudes contra seguradoras ou atravessem a fronteira brasileira: vão para o Paraguai, Bolívia e Uruguai em troca de drogas, armas ou munições.
Quando a lei começar a valer, a polícia gaúcha acredita que conseguirá reverter os resultados da batalha contra os ladrões. A situação se tornou tão crítica que Porto Alegre já tem, proporcionalmente, mais roubos do que Rio e São Paulo, como Zero Hora revelou no domingo.
A exemplo da Capital, o Estado também apresenta números preocupantes. Nos cinco primeiros meses de 2007, assaltantes roubaram 6.368 carros em solo gaúcho - um aumento de 11,3% em comparação com o mesmo período do ano passado.
Os furtos tiveram uma queda de 17,6%, mas ainda são alarmantes: foram 6.718 casos. As experiências anteriores reforçam a esperança das autoridades policiais.
Com uma medida semelhante à lei aprovada ontem pelos deputados gaúchos, o Paraná reduziu o sumiço dos veículos em 35% desde 2004. É esse caso que leva até o Sindicato do Comércio Varejista de Veículos e de Peças e Acessórios para Veículos (Sincopeças/RS) a aplaudir a nova lei gaúcha.
"A medida não vai apenas reduzir substancialmente os roubos, mas até trazer benefícios à Receita Estadual. No Paraná, as autopeças registraram um incremento de pelo menos 20% nas vendas legais", comemorou Milton Gomes Ribeiro, presidente da entidade, que congrega 17 mil lojas gaúcha
O que falta sair do papel
A nova lei tem o mérito de suprir um vácuo legal no qual navegavam os receptadores de carros roubados. Será possível penalizar quem não tiver cadastro de cada veículo desmanchado. Mas muitas incógnitas persistem:
Quem vai fiscalizar?
Em tese, cabe aos municípios fiscalizar o cumprimento da lei. Mas é sabido que pequenas cidades têm estrutura diminuta de fiscalização. Mesmo em Porto Alegre, eles não conseguem combater, devido ao reduzido número, a proliferação dos ambulantes clandestinos, por exemplo.
Teriam de contar com ajuda da BM, cujo efetivo é hoje de 23 mil policiais - 10 mil a menos do que o previsto para a população gaúcha. Como são mais de três centenas de desmanches no Estado, seriam necessários, no mínimo, 700 soldados (dois batalhões) para vistoriar todos num dia. O secretário Mallmann já adianta que as fiscalizações serão feitas de forma aleatória, por amostragem, além das que surgirem em função de investigações.
As autoridades terão cópia dos documentos?
É difícil prever como as lojas vão se adequar à exigência de criar fichas para cada carro a ser desmanchado. Assim como as fábricas, os desmanches trabalham em linha, só que de desmontagem.
Agora, terão de fazer nota para cada peça retirada. Para onde irão todos os documentos destas centenas de milhares de carros? Alguém vai analisá-los periodicamente? O deputado Loureiro acredita que os documentos ficarão na loja, à espera de fiscalização.
Como fica o estoque já existente nas autopeças?
Os desmanches têm armazenadas milhões de peças. O governo não tem condições de cadastrá-las. Os comerciantes vão vender os estoques. Como impedir que, a partir da entrada em vigor da nova lei, maus vendedores continuem comercializando peças antigas (e roubadas) com a justificativa de que fazem parte do estoque?
O autor da lei acredita que os estoques baixarão automaticamente nos três meses de prazo até a entrada da legislação em vigor. Após isso, a lei ainda precisa ser regulamentada pelo Executivo, com a imposição de sanções, o que vai resultar em mais prazo para que os revendedores se adeqüem às novas compras.
Como ficam os desmanches clandestinos?
Além das 17 mil lojas de autopeças cadastradas e cerca de 300 desmanches, existem locais de desmonte clandestinos. Com as dificuldades impostas pela nova lei às lojas legalizadas, os clandestinos não vão proliferar mais ainda? A saída apontada por todos é aumentar a fiscalização.
Fonte: Zero Hora (Rio Grande do Sul),04 de julho de 2007