Nos últimos anos, a indústria automotiva tem enfrentado uma pressão sem precedentes para adotar tecnologias mais limpas e sustentáveis, especialmente no que diz respeito aos veículos elétricos. Todo plano ganhou ainda mais corpo em 2022, quando a União Europeia decidiu que, a partir de 2035, nenhum carro a combustão poderia ser comercializado nos 27 países do bloco.
A partir dessa decisão, diversas montadoras anunciaram planos ousados para eletrificação, e todo o mundo passou a traçar estratégias para adotar os carros elétricos, como incentivos, isenções e descontos tributários. Mas o rumo dessa história parece ter mudado com o passar dos meses ou, ao menos, sido adiado.
No ano passado, a própria União Europeia voltou atrás, com um acordo que permite a continuação da comercialização de carros equipados com motores a combustão interna, desde que sejam abastecidos com e-fuel, os combustíveis sintéticos livres de emissão de CO2. Essa exceção causou discordância entre os países europeus, com a Alemanha defendendo firmemente a manutenção dos motores a combustão.
Paralelamente a esses acontecimentos, outros setores também passaram a demonstrar resistência à imposição dos carros elétricos: a locadora Hertz, que havia anunciado planos ambiciosos de eletrificar sua frota nos Estados Unidos até o fim de 2024, deu um passo atrás em sua jornada de eletrificação. A empresa decidiu vender 20 mil carros elétricos de sua frota devido ao aumento dos custos de manutenção associados à nova tecnologia. Essa mudança de estratégia reflete os desafios enfrentados pelas empresas ao tentar adotar rapidamente veículos elétricos em suas operações.
A mudança de paradigma chegou às montadoras. A primeira a mudar de ideia foi a Chevrolet, que acreditava em uma passagem de modelos a combustão para elétricos sem a transição por híbridos. A General Motors - grupo que controla a Chevrolet - havia prometido originalmente que sua produção seria exclusivamente de veículos elétricos a partir do ano de 2035.
Em janeiro, durante o anúncio de R$ 7 bilhões de investimentos no Brasil, a marca assumiu a possibilidade de produzir carros híbridos, e atribuiu essa decisão ao desejo do consumidor.
A Mercedes-Benz também fez anúncios relacionados à eletrificação de sua frota. Inicialmente, planejava se tornar totalmente elétrica em alguns mercados até o ano de 2030. Além disso, a empresa tinha uma meta de ter 50% do volume de vendas composto por veículos eletrificados até 2025. No entanto, há alguns dias, assumiu ter ajustado suas metas e estratégia - agora, a expectativa é que chegar a esse volume de vendas na "segunda metade da década", ou seja, até 2030
Elétricos não atingiram as expectativas
O diretor da Jato Informações Automotivas, Milad Kalume, explica que, de fato, os elétricos frustraram as expectativas - e uma série de fatores contribuem para esse cenário. Os primeiros fatores são os mais conhecidos: a falta de infraestrutura e o tempo necessário para recarga do veículo. Mas existem outras questões, como o desconhecimento da tecnologia e a preocupação com o que será do futuro do veículo.
"As pessoas temem o fim da vida útil da bateria e a desvalorização do carro. Na Europa e nos Estados Unidos a desvalorização do elétrico usado é alta, o que tem criado resistência nos consumidores", opina.
Fator China
Outra questão é que os carros elétricos se tornaram o verdadeiro trunfo da China, que consegue produzir esses veículos com um custo muito menor do que as montadoras do Ocidente.
"As montadoras já investiram muito dinheiro recentemente nos motores à combustão para reduzir as emissões. Seria necessário investir muito mais na produção de carros puramente elétricos em grande escala. Por isso, talvez estejam pensando em continuar operando no que já dominam por mais tempo, antes de fazer uma transição desse porte", pondera Kalume.
Embora o futuro da mobilidade continue sendo impulsionado por tecnologias mais limpas e sustentáveis, as marcas estão sendo forçadas a reavaliar suas estratégias e adotar abordagens mais flexíveis e realistas diante das complexidades do mercado e das demandas dos consumidores. A transição para carros elétricos pode ser inevitável, mas o ritmo e os desafios dessa transição estão se mostrando mais desafiadores do que o previsto inicialmente. (Imagem: Pixabay)
Paula Gama/Colunista do UOL, 28/03/2024