Os pequenos e médios empresários brasileiros, especialmente aqueles enquadrados no Simples Nacional, estão vivendo uma forte preocupação a respeito do futuro, após a aprovação da Lei Complementar (LC) 214/2025, que promete modernizar o sistema tributário, mas traz consigo uma série de mudanças que, na prática, pode impactar negativamente a saúde financeira e a competitividade das empresas optantes por esse regime.
Durante a reunião do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP) na última quarta-feira (26), Sarina Sasaki Manata, assessora da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), e José Clóvis Cabrera, advogado e consultor especialista em tributos estaduais, debateram os reflexos das novas regras para as empresas do Simples Nacional, que podem aumentar a carga tributária e até inviabilizar a permanência de muitos negócios no regime simplificado e compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos.
Perda de competitividade
Segundo a assessora da FecomercioSP, a Emenda Constitucional (EC) 132/2023 (Reforma Tributária) já havia dificultado a operação dos micro e pequenos negócios ao limitar o crédito tributário transferido a valores inferiores aos praticados por grandes empresas.
Com as novas regras, as optantes pelo Simples Nacional só poderão repassar os créditos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) com base no valor efetivamente pago, e não mais em alíquotas de referência. Isso significa que, em muitos casos, as pequenas empresas não conseguirão competir com concorrentes de outros regimes, que transferem créditos maiores.
“A reforma coloca os pequenos empresários diante de um dilema: permanecer integralmente no Simples Nacional e transferir créditos menores que os concorrentes fora do regime, perdendo competitividade; ou adotar um regime híbrido, recolhendo separadamente o IBS e a CBS, o que resultaria em custos tributários mais elevados e maior complexidade no cumprimento das obrigações fiscais, tornando a operação inviável”, afirmou Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Codecon/SP e do Conselho de Assuntos Tributários da FecomercioSP.
Hoje, a legislação permite que esses negócios possam transferir integralmente os créditos de PIS/Cofins no montante de 9,25%. Trata-se de um dispositivo que garante competitividade e tratamentos diferenciado e favorecido, assim como determina a Constituição Federal. “Se um fornecedor permite um crédito integral (28%), e outro um porcentual bem inferior [de 4% ou 7%], é fácil prever o resultado: a pequena empresa vai perder negócios”, afirmou Sarina.
Segundo o advogado Cabrera, esse cenário refletirá em aumento de preço na aquisição de bens e serviços. “As pequenas empresas não terão condições de absorver a elevação da carga tributária sem repassar os prejuízos para o consumidor final. Aproximadamente 9 milhões de MEs e EPPs serão impactadas, sem contar os MEIs.”
Prejuízos brutais
Na projeção apresentada por Sarina, uma Empresa de Pequeno Porte (EPP) poderia ter um aumento de 146,64% na carga tributária com as novas regras. Além disso, as empresas que comercializam produtos com alíquotas diferenciadas — como itens da cesta básica — só terão benefícios se saírem do Simples Nacional e adotarem o regime normal, o que aumentaria a burocracia e os custos.
Deixar o empresário optante pelo Simples Nacional entre a “cruz e a espada”, ou seja, numa situação de ter que escolher entre permanecer no regime e perder negócios ou calcular o IBS e a CBS como uma empresa de grande porte e ter aumento da carga tributária, tornará o modelo pouco atrativo para muitos setores.
“O contribuinte do Simples só aproveitará a desoneração da cesta básica ou outras alíquotas reduzidas do novo sistema, inclusive a incidência monofásica de combustíveis, se optar por recolher IBS/CBS pelo regime normal. Isso tornará o regime desinteressante”, explicou Cabrera. De acordo com ele, as empresas que comercializam diversos tipos de produtos, como o varejo, perceberão que o Simples Nacional será desvantajoso e migrarão para outros regimes.
Em prol do Simples Nacional
Diante desse cenário, entidades empresariais defendem a aprovação de projetos que atualizem os limites de faturamento do Simples Nacional e garantam créditos tributários mais justos. Dentre as propostas em discussão, estão:
- Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2021: ajusta os limites de receita anual das empresas optantes pelo Simples com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), corrigindo os valores obsoletos de quase uma década. Se aprovado, os novos tetos seriam:
MEI: de R$ 81 mil para R$ 144.913,41 (+78,92%);
ME: de R$ 360 mil para R$ 869.480,43 (+141,52%);
EPP: de R$ 4,8 milhões para R$ 8.694.804,31 (+81,14%).
PEC 13/2024: permite a apropriação de créditos presumidos de IBS/CBS para empresas do Simples Nacional, reduzindo os impactos da reforma. Segundo Sarina, essa proposta poderia diminuir os prejuízos gerados pela EC 132 e garantir o tratamento diferenciado do regime.
Todos sabem que o número de empresas inscritas no Simples é significativamente maior que o de empresas no regime geral — como o lucro real e o presumido —, por isso, a FecomercioSP integra o movimento #AtualizaSimplesNacional, que reúne mais de 40 entidades em defesa de ajustes. “É necessário que mais empresas e entidades representantes de classe integrem o movimento para mostrar aos parlamentares os riscos econômicos que as pequenas empresas estão correndo por causa desse cenário desfavorável que se desenha”, ponderou a assessora da FecomercioSP.
Cabrera lembrou das constantes ações que as entidades de classe fizeram no Congresso Nacional desde o início das discussões sobre a Reforma Tributária, mas que não tiveram a aderência apropriada de políticos e representantes da Receita Federal. “A impressão que fica é que estão querendo ‘matar’ o Simples, mas como ele não pode morrer de ‘morte matada’, estão tentando matá-lo de ‘morte morrida’, minando todas as vantagens que o regime oferece, garantidos pela Constituição Federal”, apontou o advogado.