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Passando a alíquota do IBS a limpo

*Eduardo Salusse - Estamos em meio a uma ampla discussão envolvendo a possível reforma na tributação sobre o consumo, capitaneada, sobretudo, pelas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) nº 45 e nº 110. A fixação da alíquota do novo Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tem despontado como um dos mais preocupantes aspectos em praticamente todos os debates sobre o tema.

Ambas as propostas propõem a adoção de uma alíquota-base uniforme para todos os bens e serviços, alinhando-se aos IVAs mais modernos no mundo. Preceituam o fim das dúvidas sobre a alíquota aplicável a determinados bens e serviços, especialmente naquelas atividades que, por suas características, permitiriam o enquadramento em mais de uma alíquota possível.

Segundo a PEC 45, essa alíquota-base seria fixada durante um período de teste de dois anos, no qual seria possível aferir o potencial arrecadatório de cada ponto percentual desse imposto para, após, determinar a alíquota necessária para garantir a manutenção da arrecadação atual, prometendo preservar a atual carga tributária em relação ao PIB (produto interno bruto).

Ambas as PECs asseguram autonomia para os entes federativos definirem suas alíquotas. Assim, a alíquota-base do IBS corresponderá à somatória das parcelas das alíquotas fixadas individualmente pela União, Estados, Distrito Federal e municípios - chamadas “sub-alíquotas” - em suas respectivas leis.

É improvável que exista um cenário de inúmeras alíquotas distintas em cada território. Isso porque, em um sistema de tributação do consumo no destino, os entes federativos não terão mais o incentivo de reduzirem suas alíquotas para atração de empresas. Por outro lado, aumentá-las em grande escala pode causar a fuga de mercado consumidor, especialmente em regiões limítrofes.

Alguns estudos e simulações indicam que a alíquota-base do IBS deverá ficar na ordem de 25%, o que gera ansiedade e imediato inconformismo aos que atualmente submetem-se a alíquotas inferiores a essa. Mas a comparação deve ser feita com ressalvas.

A primeira ressalva deve considerar que a alíquota-base total de 25% estimada para o IBS é real, ao passo que as alíquotas dos tributos que seriam por ele substituídos são nominais. Isso significa que a alíquota real de 25% de IBS é incomparável, por exemplo, com a alíquota nominal de 25% de ICMS sobre determinado bem. E a razão é simples. O ICMS que atualmente vigora incide sobre o valor da mercadoria ou serviço e também sobre ele próprio (chamado cálculo por dentro), de modo que a alíquota nominal de 25% de ICMS equivale a uma alíquota real de 33% de ICMS. O IBS não incidiria sobre ele próprio e tampouco sobre outros tributos (cálculo por fora). Essa é a primeira adequação comparativa.

Esse raciocínio é aplicável a todos os demais tributos que seriam substituídos pelo IBS (PIS, Cofins, IPI e ISS), pois todos eles contemplam incidências sobre outros tributos e/ou sobre eles próprios.

Outra ressalva importante diz respeito à não cumulatividade plena. Vale dizer, ao contrário do que ocorre hoje no exemplo do ICMS acima, a alíquota real de 25% do IBS representará carga tributária menor, pois será reduzida com o amplo reconhecimento dos créditos relativos às operações anteriores. É certo que a nova não cumulatividade financeira pretendida conferirá uma redução do imposto a pagar substancialmente maior do que a redução hoje vigente para os tributos não cumulativos que serão substituídos. O problema aqui é ajustar o texto da PEC para conferir segurança de que isso realmente ocorrerá.

Nessa mesma perspectiva, sabe-se que muitas desonerações atuais, como aquelas sujeitas a uma redução de base de cálculo (cesta básica e bens de informática em alguns Estados, insumos agropecuários e outros) podem exigir um estorno proporcional dos créditos, vez que, em linha com que decidiu o STF (RE 635.688), tais reduções de base de cálculo equiparam-se a uma isenção parcial sem direito à manutenção do crédito dos tributos cobrados nas operações anteriores.

Mas não é só! O valor do IBS recolhido à alíquota de 25% será integralmente creditado pelo adquirente contribuinte do imposto, diferentemente dos tributos substituídos, cujo creditamento pelos adquirentes contribuintes encontram diversas condicionantes que, no mais das vezes, podem não gerar crédito e a eles representam um verdadeiro custo não recuperável.

Esses elementos demonstram o quão desafiador é, a qualquer estudioso, pesquisador ou pessoa comum, afirmar qual a carga tributária suportada pelo consumidor na aquisição de determinado bem ou serviço. No mais das vezes, paga-se uma carga altíssima sem perceber, em uma espécie de efeito anestesiante. Com as propostas encampadas nas PECs 45 e 110 será possível afirmar que a carga suportada corresponderá muito aproximadamente à alíquota conhecida do IBS, sem significativas distorções ou incidências ocultas na cadeia negocial.

Deve-se, por fim, levar em consideração que as PECs sugerem a criação de um imposto seletivo pela União Federal, onerando atividades prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e tabaco.

Como conclusão, fica a mensagem de que deve haver cautela quando da comparação entre a carga tributária real dos tributos substituídos e a carga tributária real do IBS, levando-se em consideração todos os elementos comparativos envolvidos e não apenas a alíquota nominal dos tributos comparados.

*Eduardo Salusse é doutor em Direito pela PUC-SP, mestre em Direito tributário, responsável executivo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais na FGV Direito SP e colunista do Valor (Fio da Meada). (Imagem: Pixabay)

Valor Econômico, 22/05/2023

Categoria: Geral


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