A Câmara Municipal de São Paulo deverá analisar nas próximas semanas o veto do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ao aumento da altura de prédios nos miolos de bairros, medida aprovada pelos vereadores na revisão da Lei de Zoneamento no final do ano passado.
A discussão ocorre no momento em que novos dados do IBGE indicam que o Plano Diretor Estratégico da cidade não conseguiu aumentar a população residente nas regiões mais abastecidas com transporte público.
Plano Diretor e Zoneamento são leis complementares. Enquanto a primeira estabelece áreas prioritárias para o desenvolvimento da cidade, a segunda define como isso deve ser aplicado quadra a quadra. Ambos foram revisados em 2023.
Levantamento da Folha comparando dados dos Censos 2010 e 2022 do IBGE revelou que houve estagnação na ocupação nos arredores de corredores de ônibus e de estações de metrô e trem. Nessas áreas, chamadas ZEUs (Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana), a proporção de moradores em relação ao restante do município oscilou negativamente de 19,8% para 19,2% no período.
O adensamento populacional dos eixos de transporte é um dos objetivos centrais do Plano Diretor aprovado em 2014, na prefeitura de Fernando Haddad (PT).
A gestão Nunes afirma ter identificado o problema, antes mesmo da conclusão do Censo 2022, e corrigido o rumo do desenvolvimento urbano paulistano nas revisões do ano passado. Os resultados, segundo a prefeitura, deverão aparecer até 2029, quando a cidade discutirá um novo planejamento urbano.
"Estrategicamente, o Plano Diretor não falhou, ele precisou de ajustes que a gestão Ricardo Nunes fez", afirma José Armênio de Brito Cruz, secretário-adjunto de Urbanismo e Licenciamento do município.
A aposta de correção de rota está ancorada no aumento aos incentivos à produção de habitação popular e de interesse social inseridas nas revisões.
Quando se fala em incentivos ao mercado imobiliário, o principal ponto levantado por empresários do segmento é quanto à possibilidade de aumento da área construída. Além do gabarito –altura dos prédios–, o setor pede ampliação do CA (Coeficiente de Aproveitamento), que determina quantas vezes é permitido construir em relação à área do lote.
Nas revisões do ano passado ocorreram ampliações tanto de gabaritos quanto de potencial construtivo. Para receberem esse benefício, os empreendimentos precisavam ter unidades de HIS (Habitação de Interesse social), para famílias com renda de até 6 salários mínimos, e de HMP (Habitação de Mercado Popular), para grupos familiares com renda de até 10 salários mínimos.
A maior concentração desses estímulos está nas ZEUs, atualmente formadas por quadras tocadas por raios de 700 metros das estações metroviárias e ferroviárias ou por faixas de 400 metros com corredores de ônibus ao centro. Os perímetros foram ampliados em 100 metros na revisão do Plano Diretor.
Nas ZEUs não há limite de altura para prédios e o potencial construtivo é estimado em aproximadamente dez vezes a área do terreno, caso o empreendimento contenha todas as modalidades de habitação social e popular.
Ricardo Yazbek, vice-presidente de legislação urbana no Secovi-SP (sindicato que representa o mercado imobiliário paulista), diz que as mudanças propostas deverão fazer efeito, mas reclama que a ampliação dos gabaritos nos miolos de bairro é necessária para que se faça frente à demanda que passará de 700 mil unidades habitacionais nos próximos dez anos.
Ele e outros representantes do mercado afirmam que é a escassez de terrenos nas ZEUs é a responsável por elevar preços e tornar as habitações inacessíveis à maior parte da população nos eixos de transporte –o zoneamento mais vantajoso para o mercado ocupa aproximadamente 4% da cidade.
É com base no argumento do combate à escassez de terrenos em zonas que possam competir com as ZEUs que o setor imobiliário defende a derrubada do veto de Nunes.
Entre os 58 trechos vetados na revisão da Lei de Zoneamento, Nunes barrou o aumento de gabarito nas ZM (Zonas Mistas) e ZC (Zonas de Centralidade). Essas áreas cobrem a maior parte do centro expandido da capital e em muitos casos estão próximas dos eixos de transporte.
De acordo com a proposta aprovada pela Câmara, a altura máxima dos prédios nas Zonas Mistas poderia subir de 28 metros (equivalente a um prédio de nove andares, aproximadamente) para 42 metros (cerca de 14 andares). Nas Zonas de Centralidade, o limite iria de 48 para 60 metros (20 andares). Os exemplos consideram o térreo como um andar.
Yazbek diz que o aumento da altura máxima dos prédios é importante para viabilizar uma nova regra da revisão da Lei de Zoneamento. A mudança permitiu o aumento de 20% da área construída nessas regiões (ZMs e ZCs), desde que o o empreendimento possua unidades voltadas à habitação social ou faça o pagamento de uma cota para o Fundurb, o fundo da prefeitura que destina parte dos seus recursos para moradia.
"Sempre fomos favoráveis a mexer no gabarito e, se possível, no coeficiente de aproveitamento", afirma o representante do Secovi-SP.
Relator das revisões dos Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) espera que a Câmara discuta os vetos de Nunes nas próximas semanas e afirma haver condições para que alguns, em especial o que barrou o aumento dos gabaritos, sejam derrubados.
"O aumento de gabarito está vinculado à habitação de interesse social, e não foi só no eixo [de transporte] que não houve adensamento com esse tipo de habitação", comenta o vereador.
"O grande problema da cidade é o déficit habitacional, então, nós demos a possibilidade de certo aumento de gabarito, desde que tenha a produção de habitação de interesse social ou a contribuição no Fundurb", afirma.
O secretário-adjunto de Urbanismo da gestão Ricardo Nunes garante, no entanto, que a cidade já concedeu estímulos suficientes para equilibrar a oferta de áreas com potencial para construção de habitação. José Armênio de Brito Cruz reforça que isso resultará em adensamento populacional das áreas centrais da cidade.
Argumentos escorados no aumento de licenciamentos de unidades habitacionais nos eixos de transporte que, no intervalo de 2014 a 2021, chegaram 107,2 mil, sendo 43,1 mil compostos por HIS e HMP.
Brito também reforça sua crença na eficácia do Plano Diretor apostando em instrumentos, previstos na lei desde 2014, mas que só recentemente começaram a avançar. São os chamados PIUs (Planos de Intervenção Urbana).
Inviabilizados por ações judiciais derrubadas no ano passado pela então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, os PIUs oferecem vantagens econômicas para a construção de prédios residenciais e comerciais em áreas contíguas aos rios Pinheiros, Tietê e Tamanduateí, além de outras porções centrais do município.
Folha de S. Paulo - 05/04/2024