Você sabe o que a padaria da esquina tem em comum com gigantes do calibre da Ford, da Votorantim ou das Casas Bahia? O controle familiar. E não por acaso. As empresas tocadas em família respondem por cerca de 80% dos negócios do mundo e 90% dos brasileiros.
Apesar disso, apenas 65% delas chegam à segunda geração e 15%, à terceira, segundo estatísticas da Universidade de Harvard, dos Estados Unidos. O restante some do mapa por motivos que vão da morosidade e centralização exagerada a brigas dignas de um enredo de novela. Para quem sobrevive, porém, a notícia é animadora.
"As empresas familiares podem ser imbatíveis quando bem administradas", diz o guru americano John Davis, professor de Harvard e presidente da consultoria Owner Managed Business Institute, cujas recomendações servem de condutor para clãs de todo o planeta - entre eles, os Diniz, do Pão de Açúcar, e os Sirotsky, do grupo de comunicação RBS.
Não faltam aos negócios de família vantagens para largar na frente da concorrência: estabilidade no comando, agilidade nos processos de decisão, comprometimento dos sócios e existência de valores comuns. Tanto é assim que, dos 300 maiores grupos privados nacionais, 265 são familiares. E qual o segredo dos bem-sucedidos?
De largada, como você bem deve saber, é preciso separar o ambiente doméstico do universo dos negócios. "Nesse contexto, profissionalismo significa disciplina na empresa, com regras de comportamento e trabalho, independentemente do grau de parentesco. Significa também a adoção de uma liderança saudável, não autoritária", afirma o consultor Davis.
Com tal fórmula, é possível administrar conflitos entre parentes, acertar na contratação e avaliação deles, na preparação de herdeiros e na sucessão. Ao longo desta reportagem, você verá como a receita foi adotada com sucesso por oito empresas: a distribuidora de bebidas Ativa, a fabricante de semicondutores Aegis, os restaurantes Bar Brahma e Café São Paulo Antigo, a confeitaria Di Cunto, a empresa de hospedagem de sites Locaweb, a rede de estacionamentos Maxipark e o grupo Unipetro, com negócios como distribuição de combustíveis e venda de veículos. Confira as lições e entre você também no time dos imbatíveis.
Como despertar o interesse dos filhos pela empresa
Uma vez por mês, o consultor Rogério Tsukamoto termina o expediente mais cedo. Depois das cinco da tarde, sua empresa, a Gestare, especializada em empreendimentos familiares, recebe, em vez de clientes, as potenciais herdeiras do negócio: Isabela, 7 anos, e Rafaela, 5.
Na gaveta do pai, as meninas têm à disposição tesouras, lápis de cor e papel para uma hora e tanto de diversão. Com o esquema, Tsukamoto segue à risca o que recomenda a seus clientes: é fundamental já na infância despertar, de forma lúdica, o interesse dos filhos pelo negócio da família. "A empresa tem de ser vista como um lugar divertido, não como o reformatório para os filhos que repetiram de ano"; diz.
E, se é importante mostrar que negócio em família não é castigo, pense duas vezes antes de passar o jantar reclamando da vida de empresário. Afinal, quem vai querer trabalhar na empresa responsável pelos desgostos dos pais? "Outra forma de ajudar a despertar o interesse dos filhos é, na adolescência, envolvê-los em algumas decisões no negócio"; diz o especialista Flávio Lettieri, sócio da Somma Capacitação, empresa especializada na formação de jovens empreendedores.
A garotada pode, por exemplo, contribuir na área de internet, coisa que nem sempre a velha geração domina. Claro que nem toda idéia dos filhos será bem-vinda. Mas, para não desanimá-los, explique por que a sugestão foi rejeitada. Como se vê, um empurrãozinho ajuda. Mas cuidado para não exagerar na dose. "É preciso ter sensibilidade para perceber onde termina o incentivo e começa a pressão"; diz Alexis Novellino, presidente da Prosperare, consultoria de empresas familiares.
E tal sensibilidade anda em falta, mostram as estatísticas. Segundo pesquisa realizada com azo empresas pela Prosperare, em parceria com a Universidade Federal Fluminense, 89% dos jovens herdeiros afirmam sentir-se obrigados ou pressionados a trabalhar na empresa dos pais.
Apesar disso, só 53% dos empresários mais velhos admitem ter grande expectativa de que a próxima geração trabalhe no negócio. Por que a discrepância nos números? "Muitos empresários não reconhecem a pressão que fazem sobre a escolha pessoal de seus filhos" ; afirma Novellino.
"As famílias nem sempre são realistas na hora de julgar os desejos e talentos de seus herdeiros"; diz o consultor John Davis, da Universidade de Harvard. O problema é que, ao combinar pressão com falta de realismo, você perde duas vezes.
Como pai, fica com filhos infelizes. Como empresário, com gestores incompetentes. Para evitar a encrenca em dose dupla, a saída é investir na educação dos filhos, seja qual for a carreira escolhida. Quanto mais sucesso tiverem na profissão, menor o risco de que, descontentes, acabem procurando abrigo na empresa por pura falta de opção no mercado de trabalho.
Como admitir familiares sem criar um cabide de empregos
Na distribuidora de bebidas ativa, de Piracicaba, interior de São Paulo, os potenciais sucessores ainda não têm idade para se juntar aos 180 funcionários. O mais velho dos sete herdeiros tem 18 anos e o mais novo.
Apesar disso, a empresa já tem regras claras para admissão da segunda geração e de eventuais outros parentes que queiram trabalhar ali. Pelo regulamento, só poderão ingressar familiares que passarem pelo crivo do departamento de RH e do gerente da área do cargo pleiteado. "Eles terão de se sujeitar às entrevistas e testes de admissão válidos para qualquer funcionário"; diz Paulo Tosello, 43 anos, fundador da empresa junto com a mulher, Simone, 43, e as cunhadas Cristiane Costa, 41, e Luciane Fogagnoli, 36.
A estratégia, além de impedir - ou pelo menos dificultar o ingresso de filhos despreparados, ajuda os herdeiros a ganhar o respeito dos empregados. Mais: critérios claros para admissão são uma boa forma de evitar confusão na família sempre que alguém tiver a entrada barrada. Outras empresas vão ainda mais longe: proíbem, com exceção dos herdeiros, a entrada de familiares, independentemente da sua qualificação.
É o caso da Aegis, fabricante de semicondutores de São Paulo, com 5o empregados. "Se eu abrir a porta para um parente, vão querer que eu abra para todos"; diz o dono, Wanderley Marzano, 61 anos. "No mundo competitivo de hoje, não dá para transformar a empresa num cabide de empregos"; argumenta ele, que trabalha com os três filhos, todos engenheiros e doutorandos na área de semicondutores, dois na Universidade de São Paulo e uma na Alemanha.
Empresas como a Aegis e a Ativa, porém, são exceções. Apenas 3o% dos empreendimentos familiares têm regras claras para contratação de parentes, segundo levantamento da Prosperare, realizado com 2.000 médias e grandes empresas. Embora faltem estatísticas para os pequenos negócios, tudo indica que, entre eles, a parcela seja bem menor.
Mau sinal. "É mais fácil fazer uma boa contratação, com critérios predefinidos, do que depois ter de demitir parentes"; afirma o consultor Alexis Novellino.
Como preparar seus herdeiros para cargos de comando
Não é de hoje que o estudante de administração Cairê Aoás, 23 anos, trabalha com o pai, Álvaro, 51, sócio do tradicional Bar Brahma e do Café São Paulo Antigo, ambos na capital paulista. Aos 15 anos, ele já ajudava no caixa, na cozinha e nos serviços bancários.
Seus tempos de funcionário curinga terminaram em 2002 com uma temporada na França, onde estudou hotelaria e trabalhou em um restaurante local. De volta aos negócios do pai, seu status era outro. Com a experiência acumulada no exterior, assumiu o dia-a-dia das operações do Café São Paulo, do qual hoje é sócio.
A trajetória de Cairê ilustra bem os três passos recomendados por consultores na preparação de herdeiros. De saída, é útil fazer um estágio na empresa para se familiarizar com as diversas áreas do negócio. Cumprida a etapa, é hora de deixar temporariamente o empreendimento familiar. "A experiência de trabalho em outra empresa e um curso de especialização ajudam muito"; diz Carla Fontana, sócia da consultoria Famigliare. "Assim, o herdeiro ganha conhecimento, autoconfiança, disciplina e respeito da família e dos funcionários."
No terceiro estágio, o herdeiro volta ao negócio dos pais. Mas aí, nem pensar em fazer do recém-chegado um mero assistente. É fundamental dar a ele uma função em que tenha autonomia para tomar decisões. Pode ser o controle de uma unidade, como foi o caso de Cairê, o comando de um departamento ou mesmo de um projeto específico.
Fácil dizer, difícil fazer. Na avaliação do consultor americano John Davis, o medo de compartilhar decisões é um dos grandes entraves à perpetuação das empresas familiares. "Os negócios são desastrosos quando os comandantes são centralizadores e comprometem o crescimento da equipe e da empresa"; diz.
Sabemos que muitas vezes é difícil para um empreendedor dividir o comando mas, se a idéia é deixar um filho à frente do empreendimento, é preciso que ele tenha espaço para crescer, decidir, arriscar. Considere isso, portanto.
Como avaliar parentes com eficiência
Em maio, o consultor John Davis esteve na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para ministrar uma palestra a uma platéia particularmente atenta. Eram cerca de 9o jovens herdeiros em busca de orientações para o negócio da família.
Em determinado momento, o consultor perguntou quantos deles já haviam trabalhado na empresa dos pais. Vinte levantaram a mão. E quantos receberam feedback de seu desempenho? Nenhum braço foi para o alto.
O caso está longe de ser exceção. "É assim em todo lugar que eu vou"; diz Davis. É um indício de que algo vai mal nos negócios familiares. Afinal, sem avaliações estruturadas de desempenho, dificilmente a nova geração consegue se preparar de forma adequada. Isso, claro, também complica o planejamento de suas carreiras ou eventuais demissões.
Mas como avaliar parentes? Pré-requisito para a tarefa é esclarecer as atribuições do cargo envolvido, algo nem sempre evidente. Só assim é possível traçar metas e critérios claros para a avaliação, que podem envolver tanto o desempenho profissional como o comportamento em relação à família e aos empregados.
Fundamental ainda é conversar com o avaliado para ajudá-lo a corrigir falhas e planejar seus próximos passos na empresa. O problema é que, na prática, por mais que se tente, é difícil ser isento no processo, sobretudo quando o funcionário em questão é um filho.
"Nós fomos programados geneticamente para proteger a prole e, às vezes, os genes falam mais alto"; diz o consultor Alexis Novellino. Para complicar as coisas, a segunda geração tem dificuldade de ouvir - e aproveitar as críticas dos mais velhos.
A solução pode ser delegar o feedback a pessoas de fora da família. Essa foi a estratégia de Álvaro Aoás, adotada no Bar Brahma e no Café São Paulo Antigo. Em busca de mais profissionalismo, ele encarregou um diretor de avaliar e orientar o trabalho de seu filho. "Quando outro fala, Cairê ouve diferente"; afirma.
O herdeiro aprova a estratégia. "O envolvimento da família pode criar uma certa miopia e avaliações distorcidas"; diz o rapaz. Algumas empresas submetem até os fundadores às avaliações e não apenas os herdeiros ou parentes. É o caso da Locaweb, de São Paulo, especializada em hospedagem de sites e serviços pela internet.
A partir deste ano, os criadores do negócio, os primos Claudio Gora, 33 anos, e Gilberto Mautner, 35, e seus três sócios - os dois irmãos e o pai de Gora - vão passar pelo mesmo processo de avaliação imposto aos 4zo empregados. Pela sistemática, cada um deles será avaliado anonimamente, por escrito, tanto por seus pares como pelos subordinados diretos e os chamados clientes internos, aqueles funcionários que recebem seus serviços. "Para a empresa se profissionalizar é importante que todos nós sejamos tratados da mesma forma"; diz Mautner.
A gestão familiar na Locaweb funciona bem, mas nem sempre foi assim. Pai, filhos e um sobrinho aprenderam a respeitar limites (veja reportagem na pág. 56) e quem estava acostumado a dar ordens, aprendeu a ouvi-las.
Como criar regras e funções claras
Cena 1: seu sócio quer embolsar a parte que lhe cabe dos lucros. Você quer reinvestir o dinheiro na empresa. Como fica?
Cena 2: seu sócio quer se aposentar e deixar dois filhos na sociedade, mas você quer apenas um deles. O que fazer?
Cena 3: seu sócio vai a uma convenção e ganha uma viagem para a Europa em um sorteio. Quem fica com o presente?
Impasses como esses, bastante corriqueiros, são capazes de mandar para o brejo muitos empreendimentos e de azedar os encontros de Natal da família.
Para evitar o estrago, é melhor reger a conduta dos sócios e o funcionamento do negócio com regras transparentes. É o que faz a distribuidora de bebidas Ativa. A empresa tem uma cartilha com normas que esclarecem, entre outros pontos, as três questões acima. O documento determina, por exemplo, que prêmios e brindes recebidos serão sorteados entre os sócios.
Diz também que cada um dos quatro fundadores será sucedido por um só filho, com eventuais exceções sujeitas a voto. Há ainda normas para remuneração e licenciamento dos empresários. "É melhor criar as regras antes de os problemas acontecerem"; diz a sócia Luciane Fogagnoli.
Se você pensa em seguir o exemplo, vale a pena colocar no papel as respostas para outras perguntas. O consultor Rogério Tsukamoto sugere algumas: os sócios podem ter negócios fora da empresa? Como fica a contratação de serviços prestados por familiares? E o uso de funcionários para fins particulares? Sócios podem ser fiadores de outras transações? Há restrições em relação ao regime de casamento dos herdeiros. Lembre-se: quanto mais perguntas respondidas, menor o risco de encrenca no futuro. Clareza também é essencial na determinação das funções de cada parente na empresa.
Os Di Cunto sabem muito bem disso. Na confeitaria que leva o nome da família, cada neto do fundador tem sua área de atuação. Marco Alfredo cuida da administração; Reinaldo, da produção; Paula, do desenvolvimento de novos produtos e Antônio Carlos, das máquinas utilizadas na produção.
Entre os bisnetos, Marco Alfredo Jr. é responsável pelo marketing, sua prima Fernanda é a nutricionista da casa e os primos Alfredo Carlos e Eduardo são donos da loja do bairro paulistano do Itaim, uma das três da rede.
"Fica mais fácil trabalhar em família quando cada um cuida de sua área"; diz Eduardo, 3o anos. Sua mãe, Paula, 58, concorda: "Cada um tem que mexer sua panela. Se todo mundo quiser pôr a colher na mesma, não funciona."
Como promover o diálogo e evitar mal-entendidos
"A falta de comunicação é um dos maiores problemas das empresas familiares"; diz a consultora Carla Fontana, da Famigliare. "Os monólogos muitas vezes substituem o diálogo" : Para evitar que isso ocorra, é fundamental criar encontros em que todos possam falar e ouvir a opinião alheia. É o que fazem os Di Cunto.
Todo mês, eles se reúnem para trocar informações sobre as diversas áreas da confeitaria e discutir assuntos como os novos investimentos, as alterações no cardápio e as mudanças no quadro dos funcionários ou no visual das lojas.
Algumas empresas organizam até reuniões para parentes que não atuam no negócio. É o que faz o Grupo Unipetro, dono de concessionárias de veículos, fazendas, empresas de distribuição de combustível e de detecção e combate a vazamento de derivados de petróleo, com atuação nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais.
Duas vezes por ano, cerca de 35 familiares, entre sócios e herdeiros e as respectivas mulheres e maridos, passam um fim de semana em um hotel-fazenda. "É uma oportunidade para todos se inteirarem das atividades e resultados das empresas"; diz o sócio Alvaro de Faria, 59 anos. Encontros do gênero têm duas grandes vantagens.
De cara, colaboram com a qualidade da vida em família. Você não vai mais desperdiçar os almoços de domingo para falar sobre a empresa com a mulher ou o marido que não trabalham lá. A segunda vantagem está na uniformização das informações recebidas pela parentada - poderoso instrumento na prevenção de intrigas e mal-entendidos.
Veja o caso de uma loja de brinquedos de São Paulo: a mulher de um dos sócios descobriu que a esposa do outro volta e meia levava para casa bonecas para as filhas, coisa que ela nunca havia ousado fazer. Pronto, estava plantada a semente da discórdia. Para sorte de todos, a empresa organizava encontros entre as famílias.
Foi numa dessas reuniões que, antes de o desentendimento ganhar força, descobriu-se que as bonecas de fato saíam da empresa, mas eram pagas, centavo por centavo.
Quando afastar a família da gestão do negócio
O casal Sandra e Paulo Frascino, ambos de 52 anos, abriu em São Paulo seu primeiro estacionamento em 1988. Com dois funcionários na época, a dupla conta que manobrou muitos carros até o negócio vingar. Hoje, a rede Maxipark administra 82 unidades na Grande São Paulo, em Vitória, Recife, Belo Horizonte e Maringá, no Paraná.
A folha de pagamento, com 48o empregados, incluía até o ano passado a filha Natália, de 24 anos. Estudante de publicidade, ela estagiou na área de marketing por quatro anos. Mas, descontente com o trabalho na empresa, pediu as contas e, segundo a mãe, foi se dedicar ao que realmente gosta: promoção de eventos.
O pai dá a moral da história: "Filho de peixe nem sempre é peixe." E quando não for, melhor deixa-lo seguir seu rumo antes que seja tarde. "Os filhos podem derrubar em minutos o que levamos uma vida para construir"; afirma Sandra.
Com isso em mente, o casal começa agora a organizar a empresa para, em cerca de seis anos, transferir a gestão das operações aos seus atuais cinco diretores. Como parte do processo, eles pretendem criar um conselho de administração. É nele que vão definir as diretrizes da empresa junto com a diretoria.
O arranjo deve durar pelo menos até que um dos outros dois filhos do casal, gêmeos de 10 anos de idade, eventualmente assuma as rédeas do negócio.
O caso é exemplo de que nem sempre a família pode ou deve comandar o dia-a-dia do negócio. Na falta de parentes com disposição e competência, a saída é entregar a gestão a outros profissionais, nem que seja apenas até que a próxima geração esteja pronta para tocar a empresa.
Se for esse o seu caso, vale a pena seguir o exemplo da Maxipark e criar um conselho de administração, com a participação da família e dos executivos responsáveis pelo empreendimento. Cabe ao conselho, definir questões estratégicas, como a criação de novos negócios, a definição de investimentos ou venda de bens, por exemplo.
Como passar o bastão sem traumas
A sucessão é o teste definitivo dos negócios de família; diz o consultor John Davis. E, como em qualquer vestibular, para ser aprovado não adianta se preparar na véspera. É ao longo dos anos que se formam os herdeiros.
Mas quando há vários deles no páreo, a quem passar o bastão. É preciso considerar vários fatores. O sucessor ideal, sintetiza Davis, combina boas doses de conhecimento sobre o negócio, experiência fora da empresa, respeito da família e dos funcionários e não se esqueça paixão pelo negócio. Escolhido o herdeiro, é hora de preparar a empresa para a troca de comando.
Evite deixar o negócio num momento de turbulência econômica ou de crise no mercado. Antes de ir embora, é bom se desfazer de funcionários que possam atrapalhar a vida do novo líder. Outra coisa: demonstre confiança no seu sucessor perante o restante da família e os funcionários. Na transição, vocês podem até trabalhar juntos por algum tempo, mas é preciso deixar claro que é ao novo chefe e não a você que os funcionários devem passar a responder.
Tão importante quanto planejar ainda em vida a sucessão no comando do negócio é definir quem serão os outros sócios quando você morrer. Redigir um testamento pode ajudar na tarefa. Com a medida você evita brigas entre os herdeiros ? e elas muitas vezes comprometem o desempenho da própria empresa.
O testamento possibilita deixar a participação societária somente aos familiares envolvidos no negócio e compensar os demais com outros bens. Sem ele, as cotas da empresa são divididas igualmente entre todos, inclusive aqueles capazes de leva-la para o buraco. Ah, não se esqueça também de se preparar para a mordida do Fisco.
O pagamento do imposto sobre heranças, com alíquotas entre 2% e 8%, pode acabar descapitalizando o negócio. Uma saída é deixar um seguro de vida para que, com o dinheiro recebido, os beneficiários paguem o tributo sem recorrer ao caixa da empresa. Outra forma de passar o negócio aos herdeiros é doa-lo ainda em vida.
Como ocorre com a herança, o imposto sobre essas doações varia de estado para estado, de 2% a 8%. Se você optar pela doação em vida, considere que a situação pode se complicar caso seu herdeiro morra antes de você. No caso, a empresa pode acabar na mão daquela nora encrenqueira, mulher do seu filho.
Para evitar o problema, o consultor Rogério Tsukamoto, da Gestare, recomenda incluir nas doações a chamada cláusula de reversão. Com ela, se o donatário falecer antes, o bem volta ao doador. O.k., seja qual for o caso, convenhamos: nem sempre é fácil fazer planos que envolvam mortes. Mas vale a pena enfrentar o desconforto. Assim, crescem as chances de paz na família e vida longa para a empresa que você criou.
Em busca do respeito perdido
Conquistar respeito na empresa da família é tarefa espinhosa para grande parte dos herdeiros. Muitos deles são vistos como pirralhos incompetentes pelos funcionários e como eternamente imaturos elos pais, não importa o quanto se esforcem. E uma situação sofrida. Se é assim, o que fazer para ganhar credibilidade entre parentes e empregados?
Mostre resultados
Ao assumir o comando do Café São Paulo Antigo, em 2002, Cairê Aoás tinha apenas 18 anos. Ele já havia trabalhado na casa, mas agora precisava mostrar que era o manda-chuva e não mais o antigo dublê de caixa e office-boy. "Era uma situação delicada, muitos empregados me conheciam desde criança" ; diz.
Sua primeira providência foi mudar o guarda-roupa. "Eu ia trabalhar de camisa, sapato e calça social para não ser visto como moleque." Mas não foi o visual sóbrio - e sim o trabalho - que lhe rendeu respeito. Na ocasião, o negócio andava mal das pernas. A clientela começava a minguar e volta e meia os salários atrasavam.
Para reverter a situação, Apoás atuou em duas frentes. Para reconquistar clientes, passou a organizar eventos e a apostar no público jovem.
As paredes ganharam monitores para transmissão de videoclipes e os empregados receberam uniformes de um estilista da descolada grife Cavalera.
Na raia financeira, ele instituiu o controle de estoques, negociou novos prazos com fornecedores e buscou linhas de crédito mais baratas. Cerca de quatro meses depois, segundo ele, as contas estavam em ordem. "Quando os pagamentos deixaram de atrasar, os funcionários passaram a me respeitar"; diz. Agora, mais confiante, ele já aparece no trabalho de jeans, camiseta e tênis.
Busque funções claras
Antes de fundar a Locaweb em 1998 com o primo Gilberto Mautner, Claudio Gora havia trabalhado por oito anos na confecção de roupas femininas do pai, Michel Gora. Lã, passou pelas áreas administrativa, financeira e de produção.
Fosse qual fosse o setor, a discórdia entre pai e filho corria solta. "Havia arranca-rabo todo dia. A palavra final tinha que ser sempre a dele"; diz Claudio. "Eram paus homéricos"; confirma Michel. "Todo jovem acha que sabe mais e fica difícil trabalhar com os filhos quando você já tem métodos de trabalho consolidados."
Com tanto bate-boca, não é de se estranhar que Claudio tenha abandonado a confecção do pai e aberto seu próprio negócio, aos 24 anos, num ramo totalmente diferente como o de internet. Dois anos depois, à procura de um executivo para a Locaweb, alguém experiente e de confiança, o rapaz chamou o pai.
Michel admite que, com medo das brigas, pensou duas vezes antes de aceitar o convite. Mas desta vez foi diferente. De início, acertaram que cada um teria autonomia para gerir seu departamento. Michel ficou com os assuntos administrativos e o filho, com a comunicação e o marketing.
O sócio Gilberto, ex-consultor de internet, continuou com a área de tecnologia. O arranjo valeu para os outros dois irmãos Gora que posteriormente entraram na sociedade: Andrea cuida do RH e Ricardo, das finanças. "Hoje a gente convive muito bem"; diz Claudio. "Aprendi a respeitar meus filhos e eles aprenderam a me respeitar"; emenda o pai.
Separe os papéis
Fabiana Marzano, 24 anos, gerente de desenvolvimentos da Aegis Semicondutores, começou a trabalhar na empresa da família em zoo, ainda na faculdade. Briguenta por natureza - na sua própria definição -, ela tinha dificuldade em segurar a língua quando contrariada. "Eu discutia com meu pai do mesmo jeito que brigo em casa"; diz.
Pouco a pouco, ela foi revendo o comportamento. "Posso até estar certa, mas na fábrica preciso respeitar a hierarquia e separar os papéis de filha e de funcionária" : A mudança, segundo ela, foi resultado de uma série de conversas entre os dois.
Combinaram de se tratar de forma mais profissional e não discutir na frente dos funcionários - seja por conta das críticas dela ou das broncas dele. O caso de Fabiana está longe de ser uma exceção. "É comum tanto filhos se infantilizarem na frente dos pais, como os pais os tratarem como crianças"; diz a consultora Carla Fontana, da Famigliare.
Ruim para o filho, ruim para o pai, ruim para a empresa. É que situações assim podem acabar com a tão necessária credibilidade do herdeiro entre os funcionários. E sem credibilidade não há liderança. Nem futuro para o negócio.
Fonte: Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios (São Paulo), junho de 2007