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Simplificação tributária sob risco

O governo federal conseguiu sua vitória mais significativa até o momento com a aprovação, na Câmara dos Deputados, por larga maioria, do projeto de reforma tributária defendido pelo Planalto. Um feito merecidamente celebrado pelos atores políticos envolvidos.

No entanto, passada a euforia inicial, é necessário separar o joio do trigo no texto que foi votado. Este buscou se orientar por princípios como o da progressividade e o da simplificação. Quanto ao primeiro quesito, sem dúvida, alcançaram-se alguns avanços. Destacam-se a inclusão das previsões permitindo a cobrança de IPVA sobre veículos aéreos e aquáticos de luxo, como jatinhos e iates, e a fixação de alíquotas maiores na taxação das heranças mais vultosas. Nada mais justo. Paga mais quem tem mais para pagar.

Paradoxalmente, é em relação ao segundo aspecto, o da simplificação, que as coisas começam a se complicar. Prometia-se pôr fim ao famigerado “manicômio tributário” brasileiro, com a substituição de cinco tributos por um único. Em vez de um, porém, acabaram criando quatro: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), Imposto Seletivo e Contribuição para os Estados.

O que poderia ser encarado até como um relativo progresso assume contornos preocupantes quando se depara com as incertezas nos fundamentos desses novos tributos. Não fica claro como seriam estabelecidas as renúncias, não é apresentada qualquer projeção de arrecadação, e há uma dependência de leis complementares para que as mudanças passem de fato a valer.

Mas o pomo da discórdia tem sido a pretensão de criar um Conselho Federativo, órgão com competência para editar normas, uniformizar interpretações, arrecadar imposto e distribuí-lo entre estados e municípios. Tal instância, supostamente técnica, teria superpoderes para dirigir a fatia mais gorda da tributação nacional, hoje equivalente a cerca de 9% do PIB (ICMS e ISS).

Governadores e prefeitos têm manifestado o receio de que tal modelo de gestão compartilhada provoque um esvaziamento da sua autonomia para administrar os recursos arrecadados. Imagina ter de explicar aos seus eleitores que tal obra não pôde ser realizada porque, por decisão de um colegiado de sábios tributários, o imposto que eles pagaram teve de ir para outro canto do país?

Não fosse o bastante, a estrutura aventada ainda elimina o controle pelos Fiscos estaduais das devoluções de créditos tributários, que passariam a contar com a chancela automática do polêmico conselho. Há o risco de que isso sirva como um fomento a fraudes, com empresas recebendo indevidamente valores por meio de notas frias.

Esperamos que esses e outros problemas da reforma sejam discutidos com os devidos equilíbrio e profundidade pelo Senado. Do contrário, o retumbante triunfo inicial da iniciativa se revelará uma vitória de pirro.

*Alexandre Mello é presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do RJ

O Globo - Opinião - RJ - 26/07/2023

Categoria: Geral


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