Somente nos primeiros nove meses deste ano, condutores de carro, moto e caminhão infringiram as leis de trânsito 2.189.074 vezes no Distrito Federal. Isso significa que, em média, 8 mil multas foram aplicadas por dia na capital do país em 2024. Comparado com 2023, quando houve 2.323.728 notificações, houve uma redução de 5,79%. Os dados são do Departamento de Trânsito (Detran-DF).
Entre as infrações mais cometidas este ano está trafegar acima da velocidade (1.384.320). O Correio conversou com condutores, que comentaram porque desrespeitam as leis de trânsito. Especialistas apontaram os caminhos para reduzir o desrespeito às leis de trânsito.
O uso de celular ao volante (57.787), a falta de cinto de segurança (53.764) e o avanço de sinal (53.751), apesar da gravidade, são comuns e ocorrem nacionalmente, de acordo com o coordenador do Observatório da Mobilidade Segura, Saudável e Sustentável (Mob3S), Pastor Willy Gonzales.
"Os riscos são inúmeros, principalmente do uso do celular. É praticamente condenar a pessoa que está cruzando a rua ou outro veículo que está na frente a um sinistro de trânsito. O condutor perde atenção, não está ligado ao que acontece ao redor do veículo, ao ambiente, e acaba sendo mais propenso a um sinistro, seja bater em outro carro ou até mesmo atropelamento de pedestre", explicou.
A advogada Priscilla Gurgel, 40, contou que já levou multa por estar mexendo no celular enquanto dirigia, e destaca outra ocasião em que estava levando a filha ao hospital e precisava fazer uma ligação. "Às vezes é uma questão de urgência. Mas já aprendi a deixar o celular dentro da bolsa ou no banco do passageiro para que eu não veja quando chega mensagem", pontua. "Tanto eu quanto meu marido já levamos multa por estar usando o celular enquanto dirigimos, mas diminuímos 90%", relatou.
Priscilla também já foi multada por estacionamento irregular e disse que se arrependeu. "Eu quis economizar R$ 40 de estacionamento e acabei levando uma multa de mais de R$ 100. Não tinha placa de proibido estacionar próximo ao local onde parei o carro, mas aprendi a lição", contou.
Soluções
Segundo Pastor Willy Gonzales, há tecnologias que podem ajudar a reduzir infrações como excesso de velocidade, uso de celular ao volante, falta de cinto de segurança e avanço de sinal. De acordo com o coordenador do Mob3S, na Europa há um sistema inteligente dentro do veículo que trava quando o condutor aumenta a velocidade da via, o que minimizaria a quantidade de sinistros.
"Se a via está a 80km por hora, o condutor não consegue acelerar porque o sistema trava automaticamente. Na Europa, há uma lei estabelecida na qual o veículo precisa ter este tipo de dispositivo inteligente no veículo para acelerar a velocidade da via. Aqui está muito distante disso, precisamos ter a questão da regulamentação, a questão tecnológica do veículo e o limite da via precisa estar esclarecido", enfatizou.
Para evitar multas por alta velocidade, uma vez que já levou várias, Priscilla Gurgel faz uso do recurso chamado cruise control, uma espécie de piloto automático que ajuda o motorista a manter a velocidade necessária sem que ele precise pisar o tempo todo no acelerador. "Quando entro numa via que sei que o meu pé pesa e eu costumo aumentar a velocidade por ser uma via muito livre, sem faixas ou lombadas, eu ligo o cruise control", destacou.
As tecnologias também podem contribuir na fiscalização, de acordo com Pastor. "As câmeras em determinados pontos da cidade, além dos radares de velocidade, ajudariam na fiscalização de outros tipos de infração, como o uso de celulares ao volante. A utilização dos drones ajudaria nesse patrulhamento em pontos de alto risco", afirmou.
Celular e velocidade
Renata Gontijo, 45, já levou várias multas por excesso de velocidade. "Eu tenho mania de correr um pouco, assumo. Mas eu sempre ultrapasso muito pouco a velocidade da via. Infelizmente, não há tolerância e a multa acaba chegando", confessa. A engenheira civil assume também que já levou multas também pelo uso de celular no trânsito e por não parar em sinal vermelho. "No caso do celular, é desleixo meu, acabo olhando uma mensagem ou outra quando estou no trânsito e não tem jeito, a fiscalização não perdoa", conta.
"Quanto à ultrapassagem do sinal vermelho, eu sempre acelero um pouco quando o sinal fica amarelo, mas nem sempre dá tempo. Cheguei à conclusão de que o melhor mesmo é parar quando o sinal ficar amarelo", completou a condutora. Ela assume que o excesso de multas a fez se conscientizar. "Melhorei muito, já levei mais multa. Dói muito pagar multa, é um dinheiro jogado fora. Tenho multiplicado a minha atenção", concluiu.
Com carro há 10 anos, o contador Igor de Andrade, 28, conta que já levou incontáveis multas. "Já levei algumas por excesso de velocidade, pelo uso de celular e por estacionamento. No caso das multas por velocidade, foram em localidades onde o limite do radar foi alterado sem aviso prévio", relatou. "Quanto às multas de estacionamento, já cheguei a 'inventar' algumas vagas, mas é porque na nossa cidade é difícil demais de encontrar vagas. O transporte público aqui é precário e não atende bem. Por isso, a gente acaba ficando refém do carro", acrescentou.
Conscientização
Glauber Peixoto, diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Departamento de Trânsito (Detran-DF), atribui a queda de 5,79% das autuações a cinco fatores. O primeiro deles é a conscientização dos condutores em relação ao respeito às normas, principalmente envolvendo o excesso de velocidade. "Vale destacar também que hoje a sinalização viária é muito melhor. Ao longo do ano, o Detran revitalizou a pintura e as placas de trânsito", pontuou.
As ações de educação, de engenharia de trânsito e intensificação da fiscalização também contribuíram, segundo Peixoto. "Planejamos a fiscalização em pontos estratégicos. É uma ação ostensiva e preventiva para evitar que os condutores cometam infrações e coloquem a vida das pessoas em risco", finalizou.
A doutora em transportes pela UnB Adriana Modesto acredita que é necessário um estudo detalhado, para verificar quais foram as infrações que apresentaram maior redução e as ações que, eventualmente, podem ter contribuído para isso. "Pode ser fruto de campanhas mais efetivas, de incrementos na fiscalização, majoração das equipes ou até mesmo falhas desse conjunto", avalia.
Considerando a prevalência de infrações, em especial o excesso de velocidade, a falta de cinto de segurança e o uso do celular, relacionadas ao aspecto comportamental, Adriana afirma que a redução dessas práticas está ligada, por exemplo, a uma boa formação de condutores, além de campanhas educativas e de conscientização capazes de evidenciar a magnitude dos potenciais danos quando são infringidas as leis de trânsito, sobretudo, aquelas que têm como consequência um sinistro de trânsito. "Para tanto, há a necessidade de implementação de avaliação da efetividade do repertório de ações promovidas pelo Estado", pontua.
O professor Fabiano Amaral, 50, contou ao Correio que, apesar de nunca ter recebido multa, a esposa já foi penalizada por uso de celular ou estacionamento em local proibido. Ele também sugere que a educação no trânsito seja implementada nas escolas desde cedo. "Ensinar desde cedo como se comportar no trânsito pode ser um caminho para que as pessoas se conscientizem mais facilmente", sugeriu.
Correio Braziliense - DF - 21/10/2024