Nos últimos meses, vários países vêm anunciando medidas a fim de mitigar o impacto econômico e social da forte alta dos preços de energia e alimentos. Medidas que, se forem implementadas sem um desenho adequado e sem respeitar o arcabouço institucional, poderão resultar em grandes custos fiscais, exacerbar o descompasso entre demanda e oferta e gerar maior inflação e menor crescimento.
Intervenções governamentais para lidar com os impactos dos aumentos de preços podem ser categorizadas em políticas de preços e políticas de renda. As primeiras visam reduzir diretamente o preço, incluindo redução da tributação, subsídios e até mesmo interferências diretas na definição dos preços. Já as políticas de renda abarcam alguma forma de compensação aos consumidores, ou seja, transferências em dinheiro ou indiretas, como vouchers.
As políticas de renda, em geral direcionadas às famílias mais vulneráveis, têm várias vantagens sobre as políticas de preços. A principal delas é a capacidade de concentrar os efeitos em quem mais precisa e, com isso, evitar o desperdício de recursos. Já as políticas de preços têm várias desvantagens, sendo a mais grave a destruição do papel dos preços de sinalizar a relativa escassez ou abundância de um bem ou serviço.
Quando, por exemplo, o preço da gasolina é reduzido artificialmente, não somente se incentiva o seu consumo –justamente quando há um descompasso entre oferta e demanda (podendo acarretar em desabastecimento)– como também se induz ao uso ineficiente de recursos econômicos, coibindo a busca por combustíveis alternativos.
As propostas que limitam o ICMS e desoneram o PIS e Cofins em discussão no Congresso, ainda que tenham justificativas meritórias, não cumprem o papel de ajudar quem está sendo mais impactado pela inflação, além de aumentarem o risco fiscal, interferirem no planejamento orçamentário dos entes subnacionais e trazerem desafios relevantes para o governo que assumir o país em 2023.
O argumento de urgência não se aplica neste momento, já que não serão os mais pobres os mais beneficiados. Dentre os itens em questão, apenas o gás de cozinha tem peso significantemente maior para as famílias de baixa renda. No caso dos combustíveis, o peso no orçamento das famílias com renda mensal de até dois salários mínimos é de apenas 2,8%. No caso da energia elétrica, a tarifa social criada em 2020 oferece descontos para consumidores de baixa renda e desde então foi acompanhada de redução do ICMS por vários Estados.
A redução de impostos afeta permanentemente a receita dos Estados e municípios. Ainda que esteja sendo agora impulsionada pelos preços de energia e de combustíveis, a arrecadação responderá a uma queda futura de preços, trazendo desequilíbrios relevantes nas finanças dos entes subnacionais. Espera-se uma grande judicialização envolvendo os impactos orçamentários e as compensações propostas.
É fato que o ICMS apresenta muitas disfuncionalidades: elevado custo de conformidade dada a diferença grande de alíquotas entre bens e entre estados (resultando em alta sonegação), guerra fiscal (que provoca distorções alocativas) e alto nível de litígio entre consumidores e fisco –para citar os principais. Também é perfeitamente questionável se itens tão básicos como eletricidade possam ter alíquotas superiores a 30%.
No entanto, a reforma do ICMS deveria ser feita dentro de uma discussão tributária mais ampla buscando eficiência, aumento de competitividade e equilíbrio das contas públicas. Infelizmente, perdemos tal oportunidade no ano passado com o abandono da proposta de unificação do ICMS, PIS, Cofins e ISS, embora esta contasse com o apoio dos Estados.
Por fim, propõe-se uma PEC de forma a isentar o governo de cumprir teto de gastos e lei de responsabilidade fiscal. Mais um enfraquecimento do arcabouço fiscal em meio a uma discussão eleitoral que afunila para a adoção de regras mais frouxas e até mesmo o abandono delas.
O argumento de que todos os países estão adotando políticas para aliviar a alta de preços não nos exime de entender as idiossincrasias do Brasil –como nossa fragilidade fiscal e grave desigualdade social.
Se todas as propostas forem efetivadas, seremos um dos países a gastar mais com subsídios em proporção do PIB. Seria muito mais eficiente aumentar as transferências focalizadas, financiando-as com corte nos volumosos benefícios fiscais existentes. Momentos como o atual deveriam servir para fortalecer o senso de urgência de uma ampla reforma tributária.
Fonte: Folha de S. Paulo - Mercado - SP - 16/06/2022