A ação reiterada de criminosos especializados no roubo de camionetes Toyota Hilux fez a administração do Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte (MG), instalar um sistema especial de proteção em seu estacionamento com travas de pneu que são colocadas em todos os veículos deste modelo. A iniciativa é uma reação à chamada "Gangue da Hilux", que foi alvo de ao menos duas operações integradas da Polícia Civil do Espírito Santo ao longo do ano com delegacias de outros estados. Os investigadores descobriram que, além do aeroporto capixaba, os suspeitos agiam também em terminais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Pelo menos 44 carros foram levados.
A cena é inusitada e pode pegar alguns donos de veículos de surpresa. Ao voltar ao estacionamento, o motorista precisa provar que é dono do próprio automóvel. "Prezado cliente, informamos que a roda do seu veículo foi travada por motivos de segurança", diz o aviso que é acoplado ao vidro do carro "travado" pelo dispositivo de segurança do aeroporto. Em seguida, um número de contato é informado para que seja solicitada a retirada. "Será necessário apresentar o documento do veículos e demonstrar o funcionamento da chave".
Em nota enviada à reportagem, a BH Airport, que administra o Aeroporto de Confins, disse que "atua para ampliar a segurança de passageiros e visitantes nos estacionamentos do aeroporto" e que, devido à existência de quadrilhas especializadas em furto de carros do modelo Hilux no Brasil, resolveu adotar, desde julho de 2023, a medida adicional de segurança de travar as rodas desses veículos, "uma iniciativa que visa a proteção dos carros durante a passagem pelo nosso terminal".
Ainda segundo a administradora, um funcionário fica à disposição 24h para atender os proprietários dos carros e retirar a trava no momento em que retornam de viagem. A empresa disse ainda que " está em constante intercâmbio com as autoridades competentes e trabalhamos em estreita colaboração com elas para implementar medidas de segurança eficazes".
Ao todo, somando as duas fases da operação coordenada pela Polícia Civil capixaba, em agosto e setembro deste ano, foram presos seis supostos integrantes da quadrilha e foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão. As investigações demonstraram que a gangue tinha base em Minas Gerais.
Durante a apresentação do balanço da primeira fase da operação, em coletiva de imprensa, o delegado Luiz Gustavo Ximenes, titular da Delegacia Especializada de Furtos e Roubos de Veículos, explicou que a quadrilha tinha uma divisão de tarefas, com comando, administração financeira, recrutamento e roubo e furto dos veículos. Segundo o investigador, eles utilizam um acessório chamado "rastre" para destravar os carros e roubá-los.
— O veículo era deixado no estacionamento do aeroporto pela pessoa com viagem programada e que só fazia o registro do roubo no momento em que chegava da viagem, criando um tempo grande entre o roubo e o registro para que a polícia pudesse realizar a ação. O responsável pelo furto paga o estacionamento como se fosse deixar o local com o veículo, que é retirado por meio de um comboio, utilizado também para levar as outras Hilux furtadas — disse na ocasião.
— Eles usam um acessório chamado "rastre", que serve para destravar a Hilux e a chave presencial. Com isso, eles trocavam o módulo do carro. A Hilux funciona com a tecnologia de startstop, com botão, e é vendida em países como Bolívia, Paraguai e Argentina. O modelo que liga com a chave, é adulterado e revendido no mercado internado — acrescentou Ximenes à época.
Na fase II da operação, dois homens apontados como líderes da quadrilha foram presos em Minas Gerais. A dupla tinha mandados de prisão preventiva em aberto e foi localizada em BH e Ribeirão das Neves. Os alvos são investigados em, pelo menos, quatro inquéritos policiais instaurados pela Divisão Especializada de Roubos e Furtos de Veículos (DFRV). Segundo a polícia, acredita-se no envolvimento da organização em "inúmeros" delitos desse tipo por todo o país.
— São perpetradores de fora do Estado. Uma investigação complexa e a operação precisaram ser feitas com bastante inteligência para chegar até os autores. Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro também são estados vítimas dessa organização criminosa. Vamos continuar trabalhando para identificar outros envolvidos — disse o delegado-geral de Polícia Civil do ES, José Darcy Arruda, em coletiva de imprensa.
Correção: Pelo menos 44 carros roubados, segundo a polícia. Sete em Vitória, 15 em Confins (MG) e 22 no Rio de Janeiro. A reportagem havia publicado que os crimes tinham acontecido dentro dos aeroportos citados, mas os números divulgados pela polícia dizem respeito a roubos em estacionamentos em geral nos estados. A BH Airport enviou um pedido de correção, onde informou que "os carros, modelo Hilux, não foram roubados no BH Airport, mas em outros estacionamentos do município de Confins".
— A partir de levantamentos por meio do nosso serviço de inteligência, identificamos que toda a estrutura da organização criminosa é de Minas Gerais. Vamos buscar por meio da perícia criminal, levantar algum elemento informativo para que possamos dar continuidade nas novas fases que iremos deflagrar — acrescentou Ximenes.
O Globo, 13/12/2023