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Custo Brasil e reforma tributária

Isaias Coelho* - “Custo Brasil” denota custos tributários, regulatórios, procedimentais e outros que oneram o produzir, comerciar, ou exportar bens e serviços no Brasil. Na medida em que peculiares ao Brasil, esses custos tornam pouco competitivos os produtos brasileiros, e em consequência reduzem salários e lucros no país.

O projeto de reforma tributária em discussão procura reduzir a cumulatividade, ou incidência em cascata, que é a forma que o custo Brasil toma na tributação do consumo. Infelizmente a cumulatividade é tão danosa quanto desconhecida; é como um câncer não diagnosticado.

Para que as exportações sejam competitivas, os créditos tributários líquidos devem ser rapidamente devolvidos. É assim em países avançados e assim deveria ser entre nós. É tão central esta questão que reforma tributária que não a resolva não nos leva à modernidade

Os tributos baseados no sistema de débito (pelas saídas) e crédito (pelas entradas), tais como ICMS, IPI, PIS e Cofins, deviam permitir que a firma repassasse totalmente o ônus fiscal nas vendas a outras firmas. Quando, como ocorre entre nós, permite-se crédito apenas parcial do imposto pago, o resíduo é incorporado aos custos; é repassado, sim, mas de forma invisível. Na etapa seguinte, o acréscimo de custo obviamente não gera crédito e acaba ampliando a base do imposto.

Um exemplo ilustra a situação. Suponha um ICMS de 20% sobre o preço de venda antes do imposto. Firma B compra insumos por 100 da firma A e paga 20 de ICMS. Produz algo que vende à firma C por 150 e cobra 30 de ICMS. Firma C vende ao consumidor final por 200 mais 40 de ICMS. Num sistema saudável, o fisco receberia 20 da firma A, 10 (ou seja, 30 menos 20 de crédito) da firma B e 10 da firma C, num total de 40. Ou seja, não sofreram ônus tributário as firmas da cadeia, já que o imposto foi totalmente repassado ao consumidor. As firmas apenas ajudam o fisco a cobrar o imposto.

Agora suponhamos que, em vista das múltiplas restrições que o ICMS impõe ao creditamento, somente metade do ICMS pago nas compras possa ser creditado. Firma B, que pagou 20 de ICMS, recuperará 10 como crédito e o restante levará a custos. Isso aumentará a arrecadação via dois canais: (1) o não creditamento gerará mais ICMS líquido a pagar e (2) o resíduo de imposto, não creditável, aumentará os custos e, portanto, o preço de venda, que é a base do imposto. No exemplo acima, de uma cadeia curta, o ônus para o consumidor, incluindo ICMS explícito e ICMS embutido nos custos, aumentará de 40 para 74,90 - um aumento de 87% da carga fiscal!

O resíduo cumulativo do imposto vai fatalmente para o preço que o consumidor paga. Ou a empresa faz isso ou terá que em algum momento de fechar as portas. Há várias desvantagens da prática de negar creditamento. Uma: subtrai do consumidor informação sobre a carga tributária que está sofrendo. Outra: o que é e o que não é creditável é sempre controverso e gera enorme contencioso tributário. Ainda outra: nas exportações, a lei isenta o imposto destacado na nota fiscal, mas não logra eliminar o resíduo incluído nos custos. Então o bem ou serviço brasileiro torna-se menos competitivo, inviabilizando exportações e favorecendo o produto estrangeiro no mercado interno.

A não devolução, pelo fisco, de créditos acumulados pelos contribuintes é outra fonte perversa de inflação de custos. Seja pela morosidade no processamento das devoluções, seja pela intenção inconfessa de fazer caixa às custas do contribuinte, os fiscos são rápidos para cobrar e lentos para devolver. Isso traz prejuízos ao contribuinte, que muitas vezes precisa recorrer a créditos bancários de que não teria necessidade se o fisco não postergasse a devolução dos créditos. Neste caso, o custo Brasil aparece na contabilidade das empresas como despesa financeira - ainda que tenha por causa uma prática tributária perversa.

A não-devolução aos contribuintes, em tempo razoável, dos créditos tributários a que têm direito é fomentada por dois fatores. O primeiro é que, num raro caso de malandragem do Código Tributário (art. 167 p.ú.), na devolução ao contribuinte que pagou demais, quando incidam juros, estes não podem ser capitalizados; computam-se juros simples, contra toda a prática mercantil no Brasil e no mundo.

Segundo, no caso do ICMS é comum que os pagamentos que geraram créditos acumulados não tenham sido feitos dentro do Estado, mas no Estado de origem das mercadorias. Neste caso o Tesouro estadual se vê, por força da nossa bizarra estrutura tributária, na obrigação de devolver o que não recebeu. A situação é ainda mais grave quando os créditos interestaduais sequer foram recebidos na sua integralidade pelo fisco do Estado exportador interno, antes constituem mera fachada de incentivos fiscais escondidos, quando não fraude pura e simples.

Empresas exportadoras geram, consistentemente, créditos acumulados de ICMS, PIS, Cofins e IPI. A razão é simples: as exportações são isentas de tributos (não geram débitos) e as compras no mercado interno são tributadas (geram créditos). Para que as exportações sejam competitivas, sem custo Brasil a onerá-las, os créditos tributários líquidos, uma vez apurados e declarados, devem ser tipicamente devolvidos dentro de dias, não de meses. É assim em países avançados e assim deveria ser entre nós. É tão central esta questão que reforma tributária que não a resolva não nos leva à modernidade.

O problema da cumulatividade é seriíssimo no ICMS, mas também está presente no IPI, na PIS e na Cofins. O ISS não foge à regra. A produção de serviços não pode se beneficiar do crédito dos demais impostos, nem o consumidor de serviços pode creditar o ISS contra os demais tributos. Há estudo que demonstra o efeito negativo do ISS na exportação de manufaturas.

Há que simplificar, transparentar, generalizar a tributação do consumo de bens e serviços. As restrições ao creditamento precisam ser eliminadas. Com zero resíduo tributário, os custos necessariamente desinflarão ao longo da cadeia, com redução de preços em benefício de todos. São muito bem-vindas as propostas de unificar e reformar os vários tributos ao consumo.

*Isaias Coelho é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.

Valor Econômico - 11/04/2023 

Categoria: Geral


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