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Cidades fecham o cerco contra o estacionamento

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No mundo todo, as cidades fecham o cerco contra os carros. Além dos veículos em movimento (ou engarrafados), os estacionados também enfrentam pressão. Em Amsterdã, custa 5 euros estacionar na rua por uma hora. Quase o dobro da tarifa do transporte público (2,90 euros). No Rio de Janeiro, prédios próximos ao metrô, BRT e VLT agora só podem ter uma vaga de garagem por apartamento; mas são obrigados a ter bicicletário com, pelo menos, duas vagas. Em Nottingham, até os estacionamentos privados agora pagam imposto, com recursos revertidos para o transporte público.

Limitar o espaço dos automóveis é uma tendência mundial. Com cidades cada vez maiores, a lógica de “um carro por pessoa” torna-se insustentável, tanto do ponto de vista ambiental (muitas emissões) quanto da mobilidade (os engarrafamentos tornam-se insolúveis). Mas depois de anos vivendo a “cultura do automóvel”, a mudança não é fácil.

Hoje vilãs, as garagens também surgiram para resolver um problema urbano. Com o boom da indústria automobilística, a partir dos anos 1930, as ruas viraram estacionamentos ao ar livre. Daí a exigência de um número mínimo de vagas em prédios residenciais e comerciais, para liberar as vias públicas.

A partir dos anos 1990, as cidades europeias passaram a seguir o caminho contrário, de limites máximos para vagas. No Brasil, São Paulo é pioneira neste aspecto. Em 2014, o Plano Diretor limitou os prédios das grandes avenidas a uma vaga por unidade. Em março deste ano foi aprovado um período de transição (até 2019, estão liberadas duas vagas). Em Curitiba, o novo plano de 2015, também prevê edifícios com menos garagens nos eixos do transporte coletivo. Mas a regra só deve se confirmar com a revisão da Lei de Zoneamento, cuja proposta do Executivo municipal, encabeçada pelo Ippuc, ainda não foi enviada à Câmara de Vereadores.

No Rio de Janeiro, a limitação foi instituída em junho deste ano, por um decreto que visa estimular o “adensamento populacional” e “reduzir o déficit de habitações da cidade”. Não são políticas para a cidade toda, mas para as áreas mais adensadas, onde moram mais pessoas. “As pessoas continuam com sua liberdade de ter uma casa grande, com quatro ou cinco vagas na garagem”, desde que não seja perto dos eixos de transporte, ressalta Diego Silva, coordenador de Gestão da Demanda por Viagens do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) no Brasil. “Quando você constrói edifícios com mais vagas, reduz a densidade naquela região e a cidade acaba se espraiando. Se metade destes prédios for de estacionamento, você só tem 50% [do espaço] para as pessoas morarem, trabalharem, viverem”, explica ele.

Como mudar?

Com base na experiência europeia, um estudo do ITDP Brasil identificou quatro boas práticas quando o assunto é estacionamento nas grandes cidades: vincular a quantidade de vagas ao transporte público (limitar as vagas com base na distância de pontos e estações); cobrar preços racionais para quem parar nas ruas (não adianta se for muito barato); limitar o estacionamento pode ser mais fácil do que taxar o congestionamento (caso do pedágio urbano); e aplicar a receita dos estacionamentos em políticas de mobilidade.

Em São Paulo, para cada100 m2de área privativa, em um apartamento, o proprietário paga por outros 50 de vaga de garagem, em média. O estudo é do administrador Hamilton Leite Jr., vice-presidente de Sustentabilidade do Secovi-SP, que representa a indústria da construção civil. Sem a garagem, um apartamento de R$ 1 milhão cairia para cerca de R$ 700 mil, por exemplo.

Leite Júnior vê a restrição como uma “tendência mundial”. Mas critica a “pressa” na implantação da medida, em São Paulo. “A restrição das vagas foi muito pesada, e a evolução da qualidade do transporte público não acompanhou. As pessoas não vão ter só um carro, de uma hora para a outra. Então elas vão deixar na rua, e isso vai impactar na fluidez do trânsito” – opinião semelhante à do secretário municipal de Urbanismo de Curitiba, Reginaldo Cordeiro, em uma entrevista à Gazeta do Povo sobre o assunto em março deste ano.

Além disso, há um impacto no mercado imobiliário, que enfrentaria um “desequilíbrio entre o estoque existente e as novas unidades”. Um empreendimento ao lado do metrô com 100 salas e 100 vagas, por exemplo, enfrentaria a concorrência de outro do mesmo tamanho e com o dobro de espaço para estacionamento. O novo ficaria desvalorizado e, por consequência, o mercado deixaria de investir naquela região.

O ITDP, por sua vez, defende a estratégia “puxa e empurra”. Atrair o usuário para o transporte e as medidas de transporte ativo (como ciclovias, ciclofaixas, calçadas para pedestres), de um lado; e medidas restritivas ao automóvel, de outro. “Amsterdã não transferiu os usuários para bicicleta pintando ciclovia, precisou de restrições. Londres criou [o pedágio urbano] e todo o valor arrecadado seria para melhorias [do transporte]. E as pessoas foram vendo que era interessante deixar o carro em casa e chegar com mais velocidade com uma tarifa não tão alta”, argumenta Diego Silva.

Carro na rua também é problema

Estudo do ITDP Brasil identificou que, em muitas cidades do mundo, é mais barato estacionar o carro por uma hora, na rua, do que pagar a tarifa do transporte público. “É um incentivo enorme para pegar o carro. Você já tem um transporte público deficitário e ele ainda é mais caro”, salienta Diego Silva, coordenador de Gestão da Demanda por Viagens do instituto. Em Curitiba, uma ida e volta no transporte coletivo é equivalente a três horas e 42 minutos de estacionamento, no anel central.

Muitas cidades sequer têm um diagnóstico de quais são suas vagas públicas, o que gera uma falsa impressão de que falta espaço. A cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos, faz um inventário a cada cinco anos, desde 1990. De lá para cá, foram eliminadas três mil vagas (algo equivalente a 7% do total).

Em São Francisco, também nos Estados Unidos, foi implantado um sistema de cobrança com valores variáveis. O valor do estacionamento sobe com a alta da demanda e cai, na baixa. A ideia é manter sempre uma média de 80% de ocupação, sem ter falta de espaço para estacionar nem ociosidade. A prefeitura estima que o tempo gasto procurando uma vaga caiu em 43%, o que reduz o congestionamento.

Estacionamentos inteligentes também beneficiam o meio ambiente. Só os 3,3 minutos que os motoristas levam para estacionar perto da Universidade da Califórnia (UCLA) representam 1,5 milhão de quilômetros a mais, por ano. São 730 toneladas de gás carbônico emitidas, segundo estudo da instituição.

Já Nottingham, na Inglaterra, taxa em288 libraspor vaga (cerca de R$ 1,1 mil) as empresas com mais de 11 vagas de estacionamento. Todo o dinheiro arrecadado é investido no transporte público. Críticos da medida apontaram que ela traria desemprego. Relatório do município indica que a medida conteve o congestionamento, e que a chegada de novas empresas à cidade rendeu a criação de 5 mil novas vagas de emprego.

Fonte: Gazeta do Povo (PR), 14 de outubro de 2016

Categoria: Geral


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