Com o impacto da redução de combustíveis e energia elétrica, o Brasil teve deflação (queda de preços) de 0,68% em julho, informou dia 9 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
É a menor taxa já registrada pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o índice oficial de inflação do país. A série histórica do indicador começou em janeiro de 1980.
A queda ficou concentrada em 2 dos 9 grupos de produtos e serviços pesquisados: transportes (-4,51%) e habitação (-1,05%). Ambos foram influenciados pelos recentes cortes nas alíquotas de ICMS (imposto estadual) sobre combustíveis e energia.
Os outros sete grupos da pesquisa subiram em julho. Entre as altas, o destaque veio de alimentação e bebidas (1,30%), que voltou a acelerar. A comida cara castiga sobretudo o bolso dos mais pobres.
Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam uma deflação de 0,65% para o IPCA de julho. O índice havia subido 0,67% em junho.
Mesmo com a queda mensal, a inflação segue em dois dígitos no acumulado de 12 meses. A alta ficou em 10,07% até julho. Nessa base de comparação, o avanço havia sido de 11,89% até o mês anterior.
O IPCA acumulado está no patamar de dois dígitos desde setembro do ano passado. Ou seja, há 11 meses, ou quase um ano.
Uma sequência tão longa não ocorria desde o intervalo de 2002 a 2003. À época, o índice permaneceu acima de 10% por 13 meses consecutivos, de novembro de 2002 a novembro de 2003.
O IPCA de dois dígitos às vésperas das eleições ainda pressiona o governo Jair Bolsonaro (PL), que teme os efeitos da perda do poder de compra dos brasileiros.
Para tentar reduzir os danos, o Planalto aposta em um pacote de benefícios turbinados, incluindo o reforço no Auxílio Brasil, e no corte de tributos, que começa a alcançar parte dos preços.
Na avaliação de Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, a baixa do IPCA pode gerar ganhos para o governo durante a corrida eleitoral.
A carestia da comida, contudo, ainda trava uma visão mais otimista entre os eleitores mais pobres, pondera o analista. "A sensação térmica para a população é de preços ainda elevados. Esse é o ponto."
"A classe mais pobre precisaria sentir uma queda forte dos alimentos, o que não tende a acontecer. Por isso, a sensação térmica continua ruim", acrescenta.
COMBUSTÍVEIS E ENERGIA PUXAM BAIXA
A deflação de julho é 15ª desde o início do Plano Real e a primeira desde maio de 2020. À época, a baixa havia sido de 0,38%, em um contexto de restrições a atividades econômicas após a chegada da pandemia.
A queda de 0,68% foi influenciada principalmente pelo grupo dos transportes, que teve a redução mais intensa, de 4,51%. O segmento contribuiu com o maior impacto (-1 ponto percentual) no resultado geral do IPCA.
A baixa dos transportes é explicada pelo recuo dos combustíveis, de 14,15%. A gasolina caiu 15,48%. O etanol recuou 11,38%.
Entre os 377 subitens que compõem o IPCA, a gasolina teve o impacto individual mais intenso para a deflação (-1,04 ponto percentual).
Em junho, Bolsonaro sancionou o projeto que definiu o teto para a cobrança de ICMS sobre produtos e serviços como combustíveis e energia.
Nesse contexto, o grupo de habitação também recuou em julho. A baixa de 1,05% refletiu a queda da energia elétrica residencial, de 5,78%.
"A redução do ICMS colaborou bastante", afirmou Pedro Kislanov, gerente da pesquisa do IBGE.
LEITE SALTA MAIS DE 25%
Por outro lado, a alta de 1,30% em alimentação e bebidas foi a maior entre os grupos pesquisados. O segmento acelerou frente a junho (0,80%), contribuindo com 0,28 ponto percentual no IPCA.
Segundo Kislanov, a inflação do grupo foi puxada por leite e derivados. A entressafra e os custos elevados de produção pressionam o setor, indicou o pesquisador.
O leite longa vida saltou 25,46% em julho. Os preços já haviam subido 10,72% no mês anterior.
Derivados como queijo (5,28%), manteiga (5,75%) e leite condensado (6,66%) também avançaram em julho. Outro destaque veio das frutas, com alta de 4,40%.
Do lado das quedas, houve recuos nos preços do tomate (-23,68%), da batata-inglesa (-16,62%) e da cenoura (-15,34%). Esses alimentos haviam disparado no começo do ano.
Em relatório, a economista Claudia Moreno, do C6 Bank, destacou que a baixa do IPCA veio ancorada nos cortes tributários.
"A deflação de julho reflete os efeitos da redução de impostos sobre gasolina, etanol e energia elétrica. Juntos, esses três contribuíram com uma deflação de 1,38 p.p. em julho", afirmou.
"Se não fosse essa queda, o IPCA de julho teria uma alta de 0,70%. A redução de preços da gasolina promovida pela Petrobras também contribuiu para o resultado benigno", emendou.
PROJEÇÕES PARA 2022 E 2023
A partir do corte de impostos, analistas vêm reduzindo as projeções para a inflação no acumulado de 2022.
A estimativa do mercado financeiro recuou para alta de 7,11%, de acordo com a mediana do boletim Focus, divulgado na segunda-feira (8) pelo BC (Banco Central).
O efeito colateral tem sido o aumento das projeções para 2023. Segundo o Focus, a alta prevista para o próximo ano subiu para 5,36%.
De acordo com analistas, a perda de receitas com tributos traz riscos para o quadro fiscal, com possíveis impactos negativos sobre a inflação mais à frente.
Para tentar conter a carestia, o BC vem subindo os juros, o que desafia a recuperação do consumo das famílias e encarece os investimentos produtivos de empresas. A taxa básica de juros, a Selic, está em 13,75% ao ano.
Para o economista Rafael Marques, da assessoria de investimentos Philos Invest, agosto pode marcar mais um mês de deflação no país, com impacto remanescente da trégua nos preços de energia e gasolina.
"O mercado vai ficar bem atento em relação aos juros, ao quanto a deflação pode impactar a curva futura de juros no Brasil", disse.
"Se de fato isso se estender, essa deflação, o Banco Central começa a ver mais próximo o fim do ciclo de [aumento de] juros", completou.
O IPCA, mesmo com o alívio recente, caminha para estourar a meta de inflação perseguida pelo BC pelo segundo ano consecutivo. Em 2022, o centro da medida de referência é de 3,50%. O teto é de 5%.
INPC CAI 0,60%
O IBGE também divulgou o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) nesta terça. O indicador teve queda de 0,60% em julho. É a menor variação desde o início da série histórica, iniciada em abril de 1979. Nos últimos 12 meses, houve avanço de 10,12%.
O INPC concentra-se na inflação sentida pelos brasileiros com renda menor. O indicador reflete o avanço dos preços para famílias com rendimento entre um e cinco salários mínimos. Assim, serve de referência para correção de benefícios sociais e do salário mínimo.
Folha, 09/08/2022