A menos que caia um temporal, todas as quartas e sábados, uma dezena de futuros ciclistas pedala com mais ou menos resolução pelo campus da Cidade Universitária Internacional, no sudeste de Paris. São adultos de todas as idades determinados a aprender a montar ou a melhorar a sua técnica. E cada vez o número é maior. “Houve um boom no último ano”, disse Louis Staritzeky, que há uma década ensina a andar de bicicleta na capital francesa. Também observou uma evolução dos alunos: chegam cada vez mais pessoas que “não se sentem muito seguras na bicicleta”, mas que estão dispostas a dominá-la para fazer dela o seu meio de transporte habitual. Como Milène Jarmelus, uma mulher na casa dos 40 anos que quer trocar o bonde pela bicicleta para ir trabalhar, um conceito que até já tem uma palavra própria em francês, vélotaf, uma combinação de bicicleta (vélo) e trabalho (taf). E há outra palavra para a revolução do ciclismo em Paris: vélorrution. A Prefeitura municipal construiu centenas de quilômetros de ciclovias nos últimos anos (170 quilômetros em 2020) e o resultado é espetacular: o número de pessoas que se deslocam de bicicleta aumentou 62% em dois anos. E a pandemia de coronavírus acelera essa transformação dos hábitos pessoais e da cidade.
As buzinadas e o som de freadas repentinas que chegam do périph, o cinturão periférico de 35 quilômetros que circunda o centro da capital francesa, fazem Jarmelus e os demais alunos lembrarem que estão investindo em uma alternativa saudável e ecológica ao carro poluente. Mas também que é importante dominar a bicicleta se a pessoa quiser entrar na selva que ainda continua sendo o trânsito parisiense. E isso considerando que para quem está em duas rodas as coisas melhoraram inegavelmente nos últimos anos na Cidade das Luzes. E continuarão a melhorar.
A equipe da prefeita socialista Anne Hidalgo fixou como meta 2025 para completar sua vélorrution, como a revista L’Obs chamou as medidas, em um trocadilho entre bicicleta e revolução: criar uma densa rede de ciclovias na Paris intramuros, com conexões abundantes com a periferia, para que os pedais se tornem uma verdadeira alternativa de transporte.
Muito já foi feito, embora ainda haja muitas tarefas pendentes tanto em termos de ciclovias como de estacionamentos, algo fundamental em uma cidade onde o furto de bicicletas está na ordem do dia. “O medo de furto é o último freio para quem quer andar de bicicleta”, diz Paul Martichoux, presidente da 12.5, uma start-up que transforma vagas de garagem vazias em estacionamento de bicicletas. Desde o início do ano, também é obrigatório marcar as bicicletas novas com um “número exclusivo” — para as usadas, o regulamento entrará em vigor em julho —, de modo que sejam facilmente identificáveis em caso de furto.
O crescimento na opção por bicicletas na pandemia pode ser um fenômeno mundial. A cidade de São Paulo, por exemplo, teve um aumento de 66% nas vendas de bicicleta em 2020 em relação a 2019, de acordo com a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) —no país, a alta foi de 50%. Como mostra reportagem do G1, que revelou os números, especialistas e ciclistas apontam que a diminuição do trânsito com as medidas de restrição pode ter deixado os moradores mais seguros para andarem nas ruas de bicicleta, que também se tornou uma forma de evitar a aglomeração no transporte público e de praticar atividade física com distanciamento.
Um caminho complicado
O caminho não tem sido fácil. Hidalgo chegou à Prefeitura com o objetivo de reduzir o tráfego de veículos a motor, mas suas medidas encontraram uma forte oposição: como transformar em espaços para pedestres as margens do Sena antes dedicadas ao trânsito, que acabou nos tribunais. “Há 20 e até 30 anos estamos em uma batalha contra os carros, e cada vez há oposições extremamente fortes que acabam se apagando, porque percebem, por exemplo, que as áreas de pedestres não matam o comércio, justamente o contrário”, diz Belliard.
Fonte: El País/Brasil, 29/03/2021
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