Pedro Doria, repórter da rádio CBN, fala com o apresentador Milton Young sobre a discussão que está havendo na Califórnia, nos Estados Unidos, e pode ser marcante na relação das empresas que surgem nos aplicativos que usam diferentes tipos de serviço, e especialmente sobre a questão dos aplicativos de transporte. Essa relação trabalhista nunca foi muito bem resolvida, segundo Young, e ele pergunta a Doria se a discussão na Califórnia pode dar um outro sinal a esse cenário. “Pode, e vai ser uma mudança radical e de forma inesperada. Nos Estados Unidos, os Estados funcionam de maneira similar ao governo federal no Brasil, ou seja, o Poder Legislativo é formado por duas câmaras, Assembleia Legislativa e Senado estadual. E o processo é muito similar com o do Congresso brasileiro. Um projeto de lei passa primeiro pela Assembleia Legislativa, se aprovado passa também pelo Senado, e aí vai a sanção do governador”, explica.
“Um projeto de lei que faz com que esses aplicativos todos que oferecem serviços passem a tratar as pessoas que oferecem serviços como funcionários, ou seja, é um emprego formal, com direitos trabalhistas e tudo o mais, já foi aprovado na Assembleia Legislativa da Califórnia e tudo indica que vai ser aprovado no Senado e que o governador Gevin Newsom vai sancionar. Então, o foco no momento do debate é justamente com a Uber e a Lyft, que é a principal concorrente da Uber nos EUA e oferece serviços de transporte via aplicativo. Os motoristas todos, se a lei de fato for sancionada, vão passar a ter direitos trabalhistas no Estado da Califórnia. Pensar nesses motoristas como autônomos vai deixar de existir”, destaca Doria.
“Por que isso é surpreendente? A Califórnia é onde está o Vale do Silício, ou seja, estamos falando de um Legislativo que é muito sensível às necessidades e às questões que mexem com a indústria da tecnologia, e o governador Gevin Newsom era, antes de ser governador, prefeito de São Francisco, que é a capital informal do Vale, quer dizer, também um político muito consciente das necessidades e dificuldades da indústria da tecnologia. No entanto, justamente essa turma, esses parlamentares e esse governador chegaram à conclusão de que essa regulação é fundamental.”
“Uber e Lyft fizeram agora uma contraproposta se comprometeram a garantir aos motoristas algum tipo de indenização quando eles adoecem e não podem trabalhar no dia e oferecer um salário mínimo, que é considerado alto pro Estado, que é de 21 dólares por hora, embora sejam 21 dólares por hora, que são garantidos apenas no período em que eles estão de fato conduzindo alguém, não vale pro dia inteiro. Então, logo que esses aplicativos surgiram, que nos EUA foram apelidados de “economia do biscate”, eram vistos como algo que não devia ser regulado de forma nenhuma e era uma solução pras pessoas terem trabalhos avulsos, a pessoa poder trabalhar algumas horas a mais como motorista e fazer um dinheiro a mais, não seria uma profissão. O problema é o seguinte: quando você vai hoje pra Califórnia, e muitos brasileiros vivem em situação similar, você encontra motoristas de Uber e de Lyft que vivem nos próprios carros porque não conseguem pagar aluguel. Nessa situação em que os processos de automação por conta da indústria da tecnologia começaram a gerar desemprego porque as empresas começam a enxugar, algumas indústrias começam a quebrar, esses aplicativos se tornaram não uma solução pra um dinheiro a mais, mas de fato um substituto do emprego, um emprego considerado informal, que leva a uma vida extremamente precária. Ou seja, estamos voltando a uma discussão de direitos trabalhistas e tudo o mais e o Estado onde fica o Vale do Silício decidiu que esse tipo de economia é uma economia de exploração e isso vai ter de mudar”, afirma Doria.
Young prevê que isso provavelmente vai mexer com todos os demais países, nos próprios Estados americanos, enfim, muda muito, inclusive a própria defesa que as empresas costumam fazer diante das reivindicações realizadas pelos seus trabalhadores, dizendo que não há nenhuma formalidade mesmo nesta relação, e não faria sentido ter formalidade, até porque o negócio por si só deixaria de existir nesse sentido. Ele pergunta a Doria se essa mudança pode ser crucial nesse processo.
“Ela pode ser crucial porque as empresas começam a ficar sem argumento. Quando o Estado da Califórnia, e não existe lugar no mundo que vai ser mais sensível a essa coisa da indústria da tecnologia, decide fazer uma mudança desse tipo, como é que você pode argumentar com um Estado europeu, ou brasileiro ou asiático, que você não deveria fazer o mesmo? Esse argumento deixa de existir, não?”
Fonte: Rádio CBN, 03/09/2019