Ancoradas na recuperação da economia, no efeito da inflação sobre a arrecadação de tributos repassados pela União e Estados e na retomada dos serviços, as receitas correntes dos municípios alcançaram R$ 828,7 bilhões em 2021, com alta real de 7,2% em relação ao ano anterior.
O avanço veio sobre uma base que já havia crescido. Em 2020, ajudada pelas transferências extraordinárias da pandemia, a receita corrente do grupo dos municípios avançou 5,3% reais. O quadro fez parte de um conjunto de eventos extraordinários que contribuiu para as prefeituras fecharem o ano passado com o melhor indicador de equilíbrio fiscal de duas décadas.
Os dados constam do anuário “Multi Cidades - Finanças dos Municípios do Brasil”, que será divulgado hoje pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP). O levantamento reúne dados de mais de 95% dos 5.568 municípios brasileiros.
Em 2021, mostra o levantamento, o avanço da receita corrente foi puxado por três das principais receitas dos municípios: o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), vindo dos Estados, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), transferido pela União, e a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS). Juntas, essas três receitas corresponderam a 45,8% dos ingressos totais dos municípios no ano passado.
O repasse estadual aumentou 17,3% no ano passado em relação a 2020, enquanto o FPM da União avançou 23,8%, e o ISS, 13,8%, sempre em termos reais. Os valores foram deflacionados pelo IPCA médio de 2021.
O bom desempenho das receitas contribuiu para uma fotografia boa da situação fiscal das prefeituras em 2021, diz Gilberto Perre, secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Segundo o levantamento, no ano passado, pelo terceiro ano consecutivo, os municípios tiveram queda no nível de comprometimento da receita corrente com as despesas correntes, incluídos os desembolsos de capital com amortizações das dívidas. Em 2021, essa taxa de equilíbrio fiscal média no conjunto das prefeituras foi de 87,9%, a menor observada desde 2002, quando se iniciou a série de dados do Multi Cidades.
Perre alerta, porém, que além da retomada da arrecadação do ISS, o quadro foi favorecido pelo efeito da inflação na arrecadação dos Estados e da União, que se reflete nas contas municipais por meio dos repasses. “Essa poupança inflacionária deve se esgotar a partir do segundo semestre deste ano e de forma mais intensa no ano que vem.”
Ao mesmo tempo, diz Perre, há uma grande preocupação das prefeituras em relação às mudanças estruturais no ICMS, que resultaram na redução recente das alíquotas sobre eletricidade, combustíveis, telecomunicações e transportes. O impacto, conta, já é sentido por muitas prefeituras, que têm recebido já nos últimos meses transferências de ICMS abaixo das projetadas.
As despesas no conjunto dos municípios, mostra o levantamento, ficaram contidas no ano passado. Enquanto a receita total do agregado das prefeituras subiu 6,1% no ano passado, a despesa total cresceu apenas 1,3%. O resultado foi influenciado pela contração de 1,7% nos gastos de pessoal, outro acontecimento inédito desde 2002. A queda, porém, também é resultado de outro fator extraordinário cujos efeitos também acabaram ao fim do ano passado: a Lei Complementar 173/202, que restringiu contratações e reajustes de servidores públicos como contrapartida às transferências extraordinárias da União a Estados e municípios no combate à pandemia de covid-19 em 2020.
A grande preocupação é com o orçamento do ano que vem e com o fechamento de contas em 2023 e 2024, segunda metade do mandato dos atuais prefeitos, diz Perre. O cenário esperado para o ano que vem é de queda de receitas, que deve vir junto com o efeito da inflação batendo mais fortemente no lado dos gastos, com reajuste de salários e de contratos de prestação de serviços.
Do lado das despesas, a demandas por gastos em áreas como saúde e assistência social, destaca, continuam sob pressão. Em 2021, mostra o levantamento, as despesas na saúde cresceram 1,1% reais sobre o ano anterior, após terem expandido 15,6% em 2020 em resposta ao momento mais crítico da covid-19. A participação da saúde na despesa total dos municípios atingiu 27,1% em 2021, mesmo peso do ano passado e 2,4 pontos percentuais ao de 2019, no pré-pandemia. Na assistência social, houve redução de 2,5% reais nos gastos no ano passado. A alocação dos recursos na área, porém, ressalta Perre, continuou alta, já que em 2020 esse gasto cresceu 14,4% reais.
Ao mesmo tempo que cresce a demanda nessas áreas, diz, os municípios têm mantido os investimentos em níveis altos, com mudanças importantes na fonte de financiamento. As operações de crédito, afirma o secretário-executivo, têm sido cada vez mais relevantes. De 2017 a 2020, segundo o levantamento, 18,7% dos recursos investidos pelas prefeituras vieram de financiamentos, contra 12,3% no triênio anterior. A preocupação, nesse novo quadro, diz ele, é quanto espaço ainda resta para os municípios de capacidade para captação de recursos para manterem altos os investimentos.
As transferências de capital foram em sentido inverso como fatia na fonte de financiamento aos investimentos municipais, caindo de 26,6% do triênio 2013-2016 para 25,1% nos três anos seguintes. O uso de recursos próprios também caiu, de 55,5% para 49,4%.
Valor Econômico - Especial - SP - 27/09/2022