Texto que ainda seguirá para a Câmara autoriza edifícios em áreas como a Vila Modernista, nos Jardins, zona sul da capital paulista. Urbanistas alegam que essas áreas correm perigo; Prefeitura diz que as relevantes já estão preservadas.
A Prefeitura de São Paulo apresentou no começo do mês uma terceira versão da proposta de revisão da Lei de Zoneamento com alterações menos expressivas do que a anterior e a retirada dos trechos que liberavam espigões nos miolos dos bairros. O novo texto mira em aspectos mais pontuais, com dois pontos que podem ter impacto em um tipo de construção cada vez mais raro na cidade: as vilas.
A mudança também mantém o entorno de estações de metrô e outros eixos de transporte em massa como os mais atraentes para o mercado imobiliário. Como o Estadão mostrou, essas quadras têm concentrado a maior parte dos lançamentos residenciais, com uma verticalização intensa em bairros como Brooklin, na zona sul, e Butantã e Pinheiros, na zona oeste.
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) facilita a extinção de parte das vilas, enquanto o Município argumenta que aquelas que são representativas para a história da cidade estão protegidas por tombamentos e não podem ser demolidas. Na prática, contudo, uma minoria desses conjuntos é considerada patrimônio cultural, majoritariamente no centro, como a Vila Maria Zélia, no Belém, a Vila Economizadora, na Luz, e a Vila Itororó, no Bixiga.
A Lei de Zoneamento limita que a maioria das construções próximas de vilas (a 20 metros ou menos) tenha uma altura de até 15 metros. Com a mudança, esse máximo será quase dobrado, chegando a 28 metros nos “centrinhos de bairros” (onde há amplo comércio local) e nas áreas de interesse social (onde vive população vulnerável, como cortiços).
A altura de até 28 metros atualmente é permitida apenas nos vizinhos de vilas perto de estações de metrô, acessos de trem e corredores de ônibus. Na avaliação de parte dos especialistas ouvidos pelo Estadão, essa mudança pode “sufocar” o entorno desses conjuntos a depender das características do local.
Outra alteração na lei que facilita o avanço na verticalização junto às vilas é a liberação para que terrenos vizinhos sejam anexados ao que antes era a vila se for totalmente demolida. Hoje, a lei não permite unir terrenos aos dos vizinhos.
Com a mudança, esses locais se tornam mais atraentes para empreendimentos de maior porte, ainda mais porque, com a demolição, a altura máxima passa a ser a vigente na vizinhança como um todo. Ou seja, se a vila for extinta, as casas e sobrados poderão ser substituídos por espigões. Já a Prefeitura diz que essa regra já passou a ser aplicada no processo de licenciamento, com o entendimento de que, “se não houver impedimento da legislação de preservação para demolição das edificações da vila, ela deixa de existir com a demolição das edificações que a compõem, não cabendo a aplicação das restrições”.
O mercado imobiliário defende a liberação de construções mais altas nos bairros, diante da supervalorização dos terrenos nos “eixos de transporte”, onde há uma série de incentivos públicos e uma alta verticalização nos últimos anos.
VIZINHOS. A alteração proposta pela Prefeitura descongelaria parte dos vizinhos das vilas, dobrando a altura máxima em trechos nos “centrinhos de bairro”. Para parte dos especialistas ouvidos pelo Estadão, seria uma forma de atender parcialmente às demandas do mercado, já que a Prefeitura recuou em aumentar o gabarito máximo nesses locais, de 48 para 60 metros. A justificativa da gestão Nunes é de que a alteração de parâmetro demandaria estudos “mais aprofundados sobre a incidência e impacto”.
Professor da USP e relator do Plano Diretor na Câmara em 2016, o urbanista Nabil Bonduki defende que o poder público precisa fazer um inventário de todas as vilas da cidade e empregar regramentos mais específicos para esses locais. Ele vê esses conjuntos como possíveis respiros em meio à verticalização, além de serem um testemunho de um jeito de morar em raridade.
“A minuta estimula o remembramento (união com lotes vizinhos) e a venda das casas para empreendimentos”, afirma. “A vila é uma importante tipologia a ser preservada.”
DIVERSIDADE. As vilas paulistanas apresentam diversidade arquitetônica, histórica e social, conforme destaca o urbanista Lucas Chiconi, diretor adjunto de Ação Regional do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB SP). Ele aponta que essa diferença envolve os tipos de construção (geralmente casa térrea ou sobrado), de morador original (operários ou trabalhadores de superior poder aquisitivo), de uso atual (parte foi convertida em comércios e serviços) e de arquitetura.
Para ele, vilas com significativo valor histórico e cultural não estão tombadas, principalmente nos bairros fora do centro expandido e, portanto, estariam vulneráveis à demolição e substituição por prédios altos. “Grande parte foi construída no período de industrialização da cidade, na primeira metade século 20, até meados dos anos 1950.”
Projeto de Lei. A minuta final passará por uma única audiência pública antes do envio aos vereadores. A tramitação da proposta simultaneamente à revisão do Plano Diretor na Câmara gerou críticas. Professor na Mackenzie, o urbanista Valter Caldana diz que a situação pode gerar divergências entre as duas leis, ainda mais porque ambas poderão ser alteradas pelos vereadores diversas vezes até a aprovação da versão final.
O Estado de S. Paulo - Metrópole - SP - 15/05/2023