O bairro da Liberdade poderá ter um dos seus trechos mais conhecidos significativamente alterado pela instalação de uma esplanada formada por três lajes interligando quatro viadutos na região central de São Paulo.
Publicado nesta terça-feira (3) no Diário Oficial da Cidade, um edital de consulta pública convoca a sociedade a discutir a construção da Esplanada Liberdade. A ação dá o pontapé inicial do debate sobre uma das obras que integram a estratégia da gestão Ricardo Nunes (MDB) para requalificação de áreas centrais da capital com a participação do setor privado.
A consulta deverá durar 45 dias e as sugestões recebidas poderão ser incorporadas ao edital da licitação. A PPP (Parceria Público Privada) prevê investimento de R$ 333 milhões na obra, sendo que no máximo R$ 149 milhões vão sair dos cofres públicos.
A vencedora da concorrência terá direito de explorar o espaço por 30 anos, incluindo nesse período os cinco anos previstos para conclusão das obras.
Ao vencedor do certame será dada a opção de construir e operar um centro de compras na laje entre a av. da Liberdade e a rua Galvão Bueno. Também poderá faturar com a realização de eventos no teatro no pavimento que ligará as ruas da Glória e Conselheiro Furtado. Esse equipamento, assim como um centro de memória, são de construção obrigatória. Há outros empreendimentos associados a explorar, como estacionamentos e comércio de alimentos em quiosques.
A criação do espaço foi aprovada na revisão extraordinária da Lei de Zoneamento, concluída em julho, cerca de seis meses após a revisão original na Câmara.
Ao mesmo tempo em que se propõe a fazer parte de um processo de valorização da cidade, o projeto para criação de 19,2 mil m² de solo –e consequentemente um túnel de 350 metros de extensão– desperta temores quanto ao surgimento de um novo vazio urbano propício à degradação. Exemplos concretos disso são os subsolos encobertos pelo Vale do Anhangabaú e pela praça Franklin Roosevelt, ambos na região central.
O projeto também enfrenta outros desafios, como as mudanças climáticas. Construir uma nova superfície impermeável é pouco palatável nesse sentido, aponta Silvio Oksman, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ibmec.
Ele lembra que o trecho da Radial Leste –principal ligação do centro com a região mais populosa da capital– irá encobrir trechos de solo permeável no entorno da via. Estudos se fazem necessários para avaliar o impacto da obra na bacia do córrego Moringuinho e no terreno com declive direcionado à alagável várzea do rio Tamanduateí.
Durante o período de execução, a obra também poderá interditar uma faixa da pista durante o dia e, à noite, até duas.
"Eu não tenho como afirmar que dará certo ou errado, mas é um projeto que corre risco de ir na contramão de questões ambientais, sociais e históricas", comenta Oksman.
Questões geográficas humanas e físicas que deverão ser abordadas durante a etapa de debate público, segundo Paulo Galli, diretor-presidente da SPP (São Paulo Parcerias), a empresa de economia mista indiretamente administrada pela prefeitura.
Ex-secretário de Desestatização e Parcerias da gestão Nunes, Galli afirma que o recente acúmulo de experiência com a privatização de bens públicos aponta caminhos para contornar problemas de outras concessões.
Transposição de vegetação e criação de áreas ajardinadas, por exemplo, são algumas das respostas a questões ambientais já previstas pelo pré-projeto.
Mirando a concessão do parque do Ibirapuera como exemplo de sucesso, ele cita o modelo de negócio, altamente dependente da circulação de pedestres, como trunfo para que a esplanada não se torne um vazio urbano ou seja subutilizada —crítica que costuma recair sobre o Vale do Anhangabaú, que foi concedido à iniciativa privada.
"O grande avanço não está apenas no modelo de concessão, mas no acompanhamento e monitoramento", diz Galli, citando reduções previstas no valor da contraprestação —a taxa que a prefeitura pagará ao concessionário— em caso de qualidade inadequada do serviço.
A contraprestação é também o principal critério para a definição do vencedor da licitação. Vencerá a empresa que cobrar a menor taxa, estimada em R$ 27,9 milhões, valor máximo já incluindo lucro. O custo operacional do equipamento é um pouco menor, de R$ 20,8 milhões.
Caso mais de uma empresa proponha abrir mão da contraprestação, será vencedora a que indicar o menor valor de aporte da prefeitura para a obra.
Folha de S. Paulo - Cotidiano - SP - 04/09/2024