Com o aumento populacional, um dos maiores desafios do futuro da mobilidade é propor soluções que evitem o alastramento urbano, que traz como consequências congestionamentos, além de prejuízos para o meio ambiente e para os espaços de convivência. É preciso encontrar alternativas que promovam a mobilidade ativa, o incentivo ao uso do transporte coletivo e melhores soluções para pedestres e ciclistas, como a adequação de ruas, calçadas e outros equipamentos públicos.
O chamado retrofit (adaptação e reajuste de estruturas) não é novidade nas cidades para resolver essa complexa equação. “No entanto, os modelos existentes costumam ser orientados por soluções que passam pelo aumento da capacidade de fluxo e maior conforto para usuários de automóveis, sem prever os seus impactos”, explica a arquiteta Marcela Noronha, pós-doutoranda da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Essa tarefa complexa requer o acesso a dados muitas vezes caros e difíceis de ser obtidos. Principalmente, desestimula as pessoas a usar o transporte público e a bicicleta, formando um círculo vicioso. E não virtuoso.”
Aprimorar o que já temos
Marcela desenvolveu uma nova tecnologia a partir de um modelo computacional e matemático que permite mapear o desenho das ruas e fornecer informações que podem dar suporte a projetos privados ou políticas públicas de mobilidade urbana. A solução automatizada ajuda a aprimorar as estruturas viárias já existentes e se adapta a diferentes tipologias de ruas, fluxo de carros, número de faixas e largura da calçada. Ainda, permite a simplificação da coleta de dados, por meio de software, e a capacidade de gerar múltiplas opções de intervenção para uma mesma rua, ampliando o diálogo desde as fases iniciais dos projetos de adequação.
Com esse estudo, a pesquisadora conseguiu comprovar que não é preciso grandes e dispendiosas alterações no traçado das ruas para promover e aprimorar o tráfego de pedestres na malha urbana. “É possível transportar mais pessoas sem expandir superfícies, mudando paradigmas para que projetos menores possibilitem mudanças mais significativas. Isso faz com que as pessoas optem mais por caminhar, usar a bicicleta e o transporte público. Consequentemente, reduzir essa dependência do veículo privado e estimular sua responsabilidade ambiental.”
Na prática
A metodologia foi testada na State College, no distrito de Centre County, na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Nessa região, Marcela avaliou o nível de serviço de ruas e calçadas a partir de 11 padrões descritos na literatura urbanística, além de outros propostos por ela.
A pesquisa começa com uma análise ampla com estudo sobre os cruzamentos, faixas de estacionamento, o raio de giro das esquinas e a arborização das vias. Cumprida essa etapa, Marcela definiu as hierarquias viárias e as ruas com maior fluxo de pedestres. Aí então propôs alterações como nova instalação de faixas de estacionamento junto às guias, travessias de pedestre elevadas, parklets e até a transformação de uma das ruas em calçadão.
Aqui no Brasil, essa metodologia possui pedido de patente feito pela Inova Unicamp. O trabalho da pesquisadora deve fornecer informações valiosas para o projeto de urbanização da área do antigo Ciatec 2, no Polo de Alta Tecnologia de Campinas, que já nasce com a aplicação de diversos conceitos de cidade inteligente e sustentável, entre eles a mobilidade ativa.
O Estado de S. Paulo - Economia & Negócios - 09/09/2022