A multa a pedestres e ciclistas já constava do Código de Trânsito Brasileiro, de 1997. Em 2017, o órgão responsável pela regulamentação das leis do trânsito, o Contran, emitiu uma resolução 706/17, anunciando que isso seria feito em 2019. A partir de agora, os municípios terão que anunciar suas medidas para cumprir a lei. Você pode ser multado se:
- Andar na rua
- Permanecer na rua
- Atravessar fora da faixa
E outros casos, conforme os artigos 254 e 255 do CTB.
Ou seja, seremos todos multados.
Você sai com o carrinho de bebê mas a calçada está toda esburacada e você desce até a rua para conseguir andar. E é multada.
Você sai de um jogo de futebol e segue a multidão que toma as ruas. E é multado.
Você atravessa a rua no meio do quarteirão para conseguir ter um mínimo de certeza de que não vai ser atropelado na esquina. E é multado.
Ou seja, não é só andar que está ameaçado. É a própria permanência na rua.
Dá até para entender por que o legislador propôs algo assim. O trânsito brasileiro mata 37 mil pessoas por ano. Só em São Paulo, são quase 900 pessoas por ano, a maior parte de pedestres. Entretanto, uma proposta como essa revela um desconhecimento da realidade das cidades brasileiras e – eu apostaria nisso – uma falta de se colocar no papel do pedestre para tomar decisões.
Há pelo menos três razões para pensar melhor antes de seguir adiante com uma lei dessas.
Primeira razão: a lei é impossível de ser cumprida
Não é preciso dar muitas voltas para constatar que as calçadas de São Paulo repelem os pedestres e muitas vezes os empurram para as ruas. Carros estacionados calçada, sacos de lixo, calçadas estreitas, postes, grades e mesas. E há muitos lugares onde simplesmente não há calçadas, principalmente nas ruas da periferia.
Segunda razão: a lei é injusta
Numa cidade ideal, com calçadas largas, lisas, bem cuidadas, com faixas de pedestre em toda parte, motoristas educados, semáforos que funcionam, é possível pensar em exigir um comportamento exemplar das pessoas que andam a pé.
São Paulo é construída para o fluxo de automóveis e quem anda a pé tem que se adaptar a um sistema inamistoso e perigoso.
Terceira. A lei não pode ser fiscalizada
Em São Paulo, estima-se que o percentual dos deslocamentos que envolvem o pé seja próximo de 90%. São aqueles que vão a pé para a escola, o trabalho. E também aqueles que usam o pé para chegar até um ponto de ônibus, uma estação de trem. E ainda inclui aqueles que andam pelo menos um minuto para chegar até um aplicativo, um táxi ou para pegar o carro num estacionamento. Em algum momento do dia, quase todo mundo (com a exceção de quem só usa carro e tem estacionamento tanto na residência como no destino), anda um pouco a pé.
Essa massa de pessoas – todos nós – será, do dia para a noite, fiscalizada. São 19,5 milhões de deslocamentos diários, em trajetos distintos, desde a periferia mais desprovida de infraestrutura até os calçadões do centro. Seremos todos vigiados, fiscalizados em nosso ato mais básico – andar a pé.
Uma questão prática surge: Como identificar um infrator? Pedir CPF, comprovante de endereço? Seremos obrigados a andar com uma placa de identificação?
“Fulano de tal, licença de pedestre número 1234”.
E, diante disso tudo, a pergunta inevitável: quem vai fiscalizar isso?
Perguntou-se à Prefeitura de São Paulo qual é a posição sobre a legislação. A resposta é que, enquanto não for regulamentada pelos órgãos federais, não há elementos para informar sobre a nova lei.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/02/2019