Os aplicativos de transporte, como Uber e 99, são apenas o início de uma mudança estrutural na forma de as pessoas se locomoverem em grandes cidades. O ápice deverá ocorrer com a chegada dos carros autônomos, na próxima década. As montadoras já acordaram para a nova realidade e, ao lado de gigantes de tecnologia, começaram a modificar seu próprio modelo de negócio para lucrar pelo uso, e não mais com a venda, de veículos. Segundo especialistas, há outros segmentos que podem ter de se reinventar com as mudanças do setor, como o de estacionamentos.
Embora o setor seja pulverizado no País, há algumas empresas de grande porte que administram estacionamentos. A Estapar, que tem o banco BTG Pactual entre seus sócios e fatura R$ 1,4 bilhão ao ano, já percebeu que o vento das mudanças está mais forte. Por isso, testa uma série de novos serviços para ocupar seus espaços em um cenário de queda de demanda por vagas. Segundo o presidente da Estapar, André Iasi, as vagas individuais para carros podem ser transformadas em pontos de embarque para apps de transporte, bicicletários, oficinas mecânicas e pontos de locação de veículos.
Embora Iasi ressalve que ainda levará pelo menos duas décadas para o setor se transformar de verdade – ele argumenta que a frota paulistana de carros não para de crescer e que a infraestrutura de transporte urbano é falha no País –, a Multipark, outra empresa de grande porte do segmento, que administra 280 garagens em 15 Estados, no entanto, vê a mudança chegando em um prazo mais curto.
“O setor de transporte vai sofrer uma disrupção com o carro autônomo”, afirma Mário Coutinho, que hoje atua como consultor de negócios para a Multipark. “O estacionamento vai se tornar um hub de mobilidade. E é algo que está a dez anos de distância, no máximo.”
Sob pressão
Um estudo mostra que os estacionamentos já sentem o efeito dos aplicativos de transporte: levantamento da Fipe, feito a pedido da empresa de transporte 99, aponta que só as viagens realizadas pela companhia liberaram 78 mil vagas de estacionamento em São Paulo por dia. Se o efeito de Uber e outros serviços semelhantes for levado em conta, pode-se chegar a uma conta maior.
Apesar de a frota que circula por São Paulo ter realmente crescido nos últimos dez anos em mais de 2 milhões de veículos, levantamento da Fenabrave (associação de fabricantes automotivas) aponta que a participação das vendas para frotistas praticamente dobrou na última década, atingindo 43% no fim de 2018. Hoje, uma das principais clientelas de locadoras são justamente os motoristas de apps como o Uber, que não usam vagas para estacionar seus veículos.
Para o sócio da PwC e especialista em mobilidade urbana Marcelo Cioffi, os estacionamentos devem sofrer mais com a mudança para carros compartilhados do que as montadoras. “Para as fabricantes, há o desafio da mudança de paradigma. Há cem anos elas vendem veículos a uma concessionária, que repassa o produto ao cliente final a um alto preço”, explica o especialista. “Agora, elas terão de se adaptar a cobrar pelo serviço, um tíquete mais pulverizado. É um desafio, mas pode ser uma mudança benéfica no longo prazo.”
Cioffi diz que o mesmo raciocínio não vale para os estacionamentos: os carros compartilhados tendem a não precisar de vagas porque, ao contrário dos individuais, vão rodar o máximo de tempo possível. “A redução do uso de espaços urbanos para estacionar carros é algo positivo, tanto do ponto de vista do fluxo do trânsito quanto do uso desses espaços para outros fins, como parques”, diz o sócio da consultoria.
A PwC projeta que, por volta de 2030, um terço dos carros vendidos na Europa serão autônomos. Para Cioffi, carros individuais e compartilhados, autônomos e dirigidos por motoristas, vão coexistir por algum tempo – ele crê, porém, que as novas tecnologias passarão a dominar uma fatia cada vez maior. Apesar de ser cético sobre a rapidez da mudança, Iasi, da Estapar, admite que o estacionamento passará a atender mais a empresas do que ao consumidor final.
Novos serviços propostos pelas redes de estacionamentos
- Carros compartilhados
Tanto a Estapar quanto a Multipark têm alguns pilotos de parceria de serviços de compartilhamento de carros como Turbi e Zazcar
- Garagem automatizada
A Estapar testa o serviço em um estacionamento localizado em Florianópolis (SC). O cliente deixa o carro em uma cabine e ele é “estacionado” sem uso de manobrista; ao sair, o carro é devolvido no andar térreo.
- Embarque/desembarque
À medida que o total de veículos de apps de transporte se amplia, as ruas não vão dar vazão aos serviços; a Estapar tem a intenção de criar espaços de embarque e desembarque em alguns estacionamentos.
- Carregamento de carros elétricos
Apesar de ainda serem pouco usados no País, a tendência é que as grandes cidades passem a precisar mais de estações para carregar carros elétricos; as principais redes de estacionamento já fazem testes neste sentido.
- Organização da fila do Uber
Nos aeroportos, isso já é um problema. A Estapar usa o estacionamento de um hotel ao lado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio, para facilitar o embarque de passageiros.
- Bicicletários
À medida que as prefeituras restringem a presença de certos veículos não motorizados nas calçadas, estacionamentos devem ceder espaço a bicicletas e patinetes.
- Serviços adicionais
Outras formas de ocupar o espaço de estacionamento são com serviços como oficinas mecânicas e serviços de courier.
- Serviços para locadoras
Estapar e Multipark já têm vários estacionamentos que servem de local para clientes apanharem e devolverem veículos para locadoras como Movida, Unidas e Localiza.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 05/06/2019