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Cidades investem no primeiro semestre R$ 42 bi, alta de 33%

Caixa ainda alto e receitas impulsionadas por crescimento econômico e repasses da União permitiram às prefeituras acelerar investimentos em ano de eleição. Os municípios brasileiros investiram no primeiro semestre R$ 42,2 bilhões, valor que representa alta real de 32,8% contra igual período do ano passado. O movimento foi concentrado, puxado pelas cidades mais populosas. Quase um terço - 31,7% - dos investimentos veio de um grupo de 45 municípios com mais de 500 mil habitantes, com valor agregado de R$ 13,4 bilhões. Estendendo o universo para cidades com população acima de 200 mil habitantes, são 153 municípios que investiram total de R$ 19,3 bilhões, o que significa 45,7% do total, sempre de janeiro a junho.

Os números são de levantamento do Valor com dados de 5.077 municípios que somam 199,73 milhões de habitantes, o equivalente a 94% da população brasileira. Foram consideradas prefeituras que apresentaram para os dois períodos todos os dados observados. São hoje, no país, um total de 5.570 cidades brasileiras que já possuem código do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento mostra que as despesas correntes subiram 10,5% reais no agregado dos municípios, um pouco abaixo do ritmo das receitas correntes, que cresceram 12%. As transferências correntes, que incluem repasses obrigatórios, como o do ICMS estadual e as transferências federais, via Fundo de Participação Municipal (FPM), avançaram em ritmo mais acelerado, de 15,7%, enquanto a arrecadação própria subiu 9,6%. As despesas de pessoal ainda estão relativamente contidas, com alta de 6,6%, sempre no primeiro semestre de 2024 contra igual período de 2023, com variações reais.

O levantamento baseou-se em relatórios fiscais entregues pelos municípios à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e consideram receitas realizadas e despesas liquidadas. Os valores de 2023 foram atualizados pelo IPCA até junho deste ano.

Os dados, destaca Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX, mostram que há uma expansão fiscal via Estados e municípios. “Isso ajuda a explicar um pouco também essa surpresa na atividade econômica, com expansão fiscal por canais menos tradicionais, já que se pensa mais nesse movimento via União.”

“Os investimentos estão voando”, diz o economista, que foi diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). “A foto do primeiro semestre mostra uma receita forte que está ajudando a sustentar esse nível de gasto também forte, mas se olharmos para frente, talvez já em 2025 o cenário seja um pouco diferente.”

Manoel Pires, economista e coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), ressalta a incerteza sobre a continuidade do ritmo de crescimento das receitas num momento em que as despesas demandam um “ponto de atenção”.

O aumento de investimentos num ritmo mais acelerado que o crescimento das receitas foi propiciado por caixa ainda em níveis elevados. Choques sucessivos, como a pandemia de covid-19 e as altas cotações de commodities, resultaram em transferências federais extraordinárias a Estados e municípios e elevação de arrecadação, principalmente em 2022.

Embora esse quadro tenha ficado para trás, há uma situação financeira relativamente favorável para os próximos prefeitos, por conta do ciclo de crescimento, aponta Pires. “Estamos com três anos [com PIB] crescendo na casa dos 3%, o que favorece qualquer gestão fiscal. E com o novo arcabouço fiscal do governo federal, há uma redistribuição importante de receitas para as prefeituras acontecendo via FPM.”

Os novos prefeitos, diz Pires, irão assumir com “boa capacidade para deixar a casa arrumada” e para conseguir abrir espaço para investir mais na infraestrutura. “Tirando alguns problemas pontuais crônicos em termos fiscais, o quadro para os prefeitos é positivo. A discussão que vem é de gastar bem, com qualidade.”

“Há um crescimento de receita bastante significativo no semestre. Quando se considera as receitas correntes e as transferências correntes, os dados mostram que o maior crescimento de receita tendeu a acontecer nos municípios menos populosos. As transferências correntes se mantêm crescendo mais que as receitas correntes. O ajuste do ministro Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda] distribui muito para os municípios, principalmente para os menos populosos, mais favorecidos na distribuição do FPM”, avalia Pires. A fonte mais importante desse fundo, explica, é a arrecadação de Imposto de Renda, tributo no qual está centrado grande parte do esforço fiscal do governo federal por elevação de receitas.

Pelo levantamento, as receitas com transferências correntes nas cidades com até 10 mil habitantes cresceram 18,9% reais, 3,2 pontos percentuais acima da taxa média do total de municípios. Nas cidades com mais de 10 mil até 50 mil habitantes, a alta foi de 20,3%. Na faixa acima, de mais de 50 mil a 100 mil habitantes, o crescimento foi de 16,9%. Nos municípios mais populosos o ritmo foi bem menor, de 10,5% nas com mais de 500 mil habitantes e 12,1% na faixa imediatamente abaixo, com mais de 200 mil a 500 mil moradores.

A transferência corrente ajudou a dar o ritmo de parte da receita corrente, que cresceu de forma mais acelerada nas cidades menos populosas, com alta real de 15% e de 16,9% nas faixas de até 10 mil habitantes e nas cidades entre 10 mil e 50 mil moradores, nessa ordem. Já nas cidades com população acima dos 500 mil e entre 200 mil e 500 mil o crescimento foi de 8,2% e 10,4%, respectivamente. Sempre no primeiro semestre de 2024 contra igual período de 2023, em variações reais.

Nas despesas o padrão é outro, destaca Pires, com crescimento maior nos municípios mais populosos. O levantamento mostra que a despesa corrente subiu 11,7% nas cidades com mais de 500 mil moradores e 6,8% nas menores, com até 10 mil habitantes, na mesma comparação.

A discussão que vem agora é de gastar bem, com qualidade” — Manoel Pires

Leal de Barros, da ARX, destaca que nos municípios mais populosos o gasto cresceu em ritmo maior que a receita. Nas cidades da faixa de mais 200 mil a 500 mil moradores a despesa corrente avançou 0,9 ponto percentual acima da receita corrente de janeiro a junho contra iguais meses de 2023. Na faixa acima de 500 mil habitantes, o descompasso foi maior, de 3,5 pontos percentuais. “Há um descasamento relevante nos mais populosos. Nas demais faixas, a receita cresce em taxa mais alta que a despesa, embora muito ancorada nas transferências.”

Há no geral, ressalta Pires, do FGV Ibre, um processo de recuperação da despesa corrente que se iniciou desde 2022, quando os Estados e municípios ficaram mais livres para contratações e reajustes salariais, após a restrição vinda da legislação que veio com a pandemia de covid-19. “Esse processo preocupa um pouco. Por enquanto a receita está crescendo mais, mas não se pressupõe que ela crescerá dessa forma por muito tempo. Eventualmente isso pode gerar algum problema mais à frente se essa despesa continuar crescendo nesse ritmo.”

Há sempre um temor de perda de fôlego da arrecadação, diz Leal de Barros. “Como grande parte da despesa é obrigatória, fica evidente o risco de desequilíbrio.” Devemos ter no ano que vem, diz, um quadro muito diferente do choque de commodities, que ajudou a arrecadação. “A China está passando por um problema bem complicado e isso está se traduzindo em cotações de commodities mais baixas, tanto nas agrícolas, como nas metálicas e energéticas. Há uma defasagem para isso bater na receita, mas o quadro pode ficar mais evidente em 2025.”

O segundo vetor, diz Leal de Barros, o das transferências correntes, também pode desacelerar. “Estamos vendo sinais de que o Congresso não vai aprovar essa agenda de aumento de arrecadação que o governo colocou na mesa. O terceiro vetor é o PIB. Devemos ver uma acomodação do crescimento da economia. Por enquanto o PIB também aponta para desaceleração, mas isso também depende da política fiscal do governo.”

Giovanna Victer, secretária de Fazenda de Salvador, diz que o aumento de investimentos em 2024 fez parte da “completude de mandato”. “Foi o nosso planejamento. Os governos querem fazer entregas dentro do período de mandato. Faz-se um desenho do ciclo, no começo um pouco mais austero. Depois, com o amadurecimento dos investimentos, são feitas as entregas.”

Os dados dos relatórios fiscais mostram que no primeiro semestre os investimentos da capital baiana somaram R$ 882,2 milhões, com alta de 178,8% reais em relação a iguais meses de 2023. A perspectiva, diz Victer, é manter ritmo semelhante nos próximos meses e terminar 2024 com aumento de cerca de 150% nos investimentos em relação ao ano passado. Entre as principais destinações, cita a secretária, estão educação, saúde e infraestrutura, incluindo obras para mitigação de impactos das mudanças climáticas.

Salvador é a quarta dentre as cinco cidades mais populosas do país. Primeiro vem São Paulo, seguida de Rio de Janeiro e Fortaleza. Em quinto está Belo Horizonte. As cinco capitais tiveram elevação de investimentos no primeiro semestre contra igual período de 2023. Em São Paulo a alta foi de 77,6%, no Rio de Janeiro, de 47,2%, e na capital cearense, de 70,5%. Em Belo Horizonte o aumento foi de 26,9%, sempre em variações reais.

Com medidas de administração tributária e a ajuda de um Refis, para estimular o pagamento de débitos tributários de ISS e IPTU, a arrecadação própria da prefeitura soteropolitana subiu 20,9% no primeiro semestre contra iguais meses de 2023. O ritmo ficou acima da alta das transferências correntes, que cresceram 13,9%. As receitas correntes cresceram 13,3%, em ritmo menor que o das despesas correntes, com alta de 22%.

Victer destaca o desempenho da arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS) tributo municipal mais importante. Essa receita, aponta, cresceu 18,3% de janeiro a agosto de 2024 contra iguais meses de 2023. “Isso reflete a atividade econômica, principalmente em serviços de educação, saúde, tecnologia e construção civil. O turismo está forte e rende indiretamente, porque as empresas contratam serviços e o setor também ajuda a gerar renda e consumo. Em setembro, época considerada de baixíssima temporada em Salvador e mesmo sem emenda de feriados, foi registrada uma ocupação de 93% da rede hoteleira da cidade.”

A despesa corrente do município, diz, foi pressionada este ano por alguns reajustes de contratos, como o da coleta de lixo. Há também, relata, aumento de despesa puxado por investimentos. “Por exemplo, inauguramos um restaurante popular no qual servimos 5 mil refeições por dia. A cada restaurante popular ou quando se abre um CREAS [Centro de Referência Especializado de Assistência Social], há contratações, mesmo que seja uma OS [Organização Social] ou um terceirizado. Então a [despesa] corrente realmente cresce.” (Imagem: divulgação)

Valor Econômico - Política - SP - 03/10/2024

 

Categoria: Geral


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