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A reforma tributária e o Simples Nacional

Jorge Priori* - Conversamos sobre o impacto da reforma tributária no Simples Nacional (Lei Complementar 123/2006) com Queli Morais, sócia de Tax da BDO Brasil. Essa conversa tem como referência o texto da PEC 45/2019, que foi aprovado recentemente pela Câmara, e que será apreciado em breve pelo Senado.

O Simples Nacional é um regime diferenciado e favorecido que tem como foco as microempresas (faturamento até R$ 360 mil) e as empresas de pequeno porte (faturamento de R$ 360 mil até R$ 4,8 milhões). Segundo a Receita Federal, em junho de 2023 o Brasil tinha 21,8 milhões de empresas optantes por este regime.

Quais seriam os impactos da reforma tributária nas empresas do setor industrial optantes pelo Simples Nacional?

É sempre bom a gente recordar que o Simples, na versão atual, reúne tributos das três esferas e tem algumas exceções de tabela quando se fala de substituição tributária no ICMS e no ISS. A indústria tem um anexo específico (Anexo II) onde as alíquotas, pela faixa de receita auferida, variam de 4,5% a 30%.

Olhando friamente esses percentuais, há uma primeira falsa impressão, pois se o IVA vai ser de 25%, sendo que hoje já se fala em algo em torno de 27%, a empresa que está na última faixa do Simples, com uma alíquota de 30%, seria beneficiada. Ocorre que o Simples, na sua essência, não permite créditos, ou seja, a empresa passaria de 30% para 27%, mas sem crédito.

Acreditando nessa equalização de carga tributária, o legislador está propondo na reforma que essa indústria possa optar por um regime do Simples onde ela teria a exceção do recolhimento integral do IBS e da CBS. Para esses dois itens, essa empresa apropriaria créditos e transferiria para o adquirente, via nota fiscal de venda, a integralidade do que foi recolhido do IBS e da CBS. É como se essa indústria se tornasse um fornecedor mais atrativo, pois vai fornecer créditos para o seu adquirente.

Se essa empresa continuar no Simples, mas com os novos aspectos da reforma, ela não vai apropriar créditos e, provavelmente, haverá um percentual alocado do que seria o IBS e a CBS com a revisão das tabelas. Seus adquirentes somente poderiam tomar crédito com base num percentual preestabelecido que integra toda a faixa da nova alíquota.

Isso pode ser vantajoso para as indústrias que estão próximas da faixa máxima do recolhimento, se elas verificarem, dentro dos seus processos produtivos, a possibilidade de haver um grande volume de créditos.

Por outro lado, isso seria um pequeno desvio da proposta inicial do Simples, que era uma tributação única, o que seria muito próximo do que foi discutido para o IVA. Assim, nós teríamos um Simples com três tributos: o próprio Simples, o IBS e a CBS.

Se a reforma passar do jeito que está hoje, essas empresas vão pagar mais tributos?

As empresas que estão nas faixas iniciais, com certeza. Na indústria, nós temos um range de 4,5% a 30%. Dentro do estudo “Alíquota-padrão da tributação do consumo de bens e serviços no âmbito da Reforma Tributária”, que foi publicado, recentemente, pelo Ministério da Fazenda, foi feito um comparativo inicial onde a principal mudança era a metodologia de cálculo, com os impostos calculados por dentro e calculados por fora, como está proposto na reforma.

Com o cálculo por dentro, uma indústria que tem um produto vendido a R$ 100 teria uma alíquota estimada de 27,25%. Com o cálculo por fora, para se arrecadar o mesmo valor com o cálculo anterior, seria necessário uma alíquota de 34,4%. Se olharmos friamente essa alíquota, ela já é maior que a faixa máxima da indústria no Simples. Assim, a tendência é que a indústria pague um pouco mais, ainda que ela esteja num segmento que já é bem taxado.

Quais seriam os impactos da reforma tributária nas empresas do setor de serviços optantes pelo Simples Nacional?

O Simples possui três anexos dedicados às empresas desse setor, sendo que algumas dessas atividades foram citadas no capítulo da reforma que trata das reduções de alíquota. Seria um bom exercício para essas empresas, principalmente as que estão nas últimas faixas, verificar se a sua atividade consta neste capítulo, pois pode haver alguma vantagem em recolher o IBS e a CBS de forma segregada.

Com relação aos Anexos III, IV e V, eles permitem um range de alíquotas que vai de 4,5% até 33%. Para as empresas que estão nas faixas iniciais, ou seja, que possuem um faturamento um pouquinho menor, a alíquota cheia da reforma pode não ser muito vantajosa. Se hoje essa empresa possui uma alíquota de até 15,5%, ela passaria para uma alíquota, como tem sido falado, de 27%.

Essa questão depende de qual anexo a empresa está no Simples e se o seu serviço foi citado, expressamente, no capítulo de reduções de alíquota da reforma.

Se a reforma passar do jeito que está hoje, essas empresas vão pagar mais tributos?

Provavelmente, sim. Nós temos sempre que nos atentar que a reforma está correndo com todos os tributos, exceto os vinculados à renda, que ficaram para uma segunda etapa.

Hoje, as empresas de serviços são impactadas pelo PIS/Cofins, que possuem uma alíquota de 3,65% e outra de 9,25%, e pelo ISS, cujas alíquotas vão de 2% a 5%.

Para as empresas de serviços que estão no Simples, a carga agregada para as faixas menores de faturamento é boa, sendo que o Anexo III inicia com 6%, o IV com 4,5% e o V com 15,5%. Migrar para uma alíquota de 27% seria um aumento bastante significativo.

Por conta da equalização da carga tributária e da manutenção da arrecadação, há uma tendência natural de que essas empresas sofram um aumento de alíquota mesmo estando no Simples, mas com a possibilidade de uma carga menor.

Depois que a apuração for feita, a empresa vai ter que decidir se ela opta pelo regime diferenciado, com a tomada de créditos, ou por ficar com a alíquota cheia, mas sem tomar créditos.

Quais seriam os impactos da reforma tributária nas empresas do comércio optantes pelo Simples Nacional?

Com relação ao comércio, os textos legislativos geraram, ao longo da história, bastante discussão no tocante aos créditos.

Por exemplo, apesar de uma loja ter uma estrutura para funcionar, com vários itens que fazem parte da sua operação, o texto legal, friamente lido, parte do pressuposto que o comércio não agrega nada em termos de processo produtivo.

Todo esse entorno sempre foi entendido como não vinculado às operações de comércio, o que gerou discussões sobre a possibilidade de tomada de crédito desses itens acessórios.

No atual regime do Simples, o comércio vai de 4% a 19% (Anexo I). Se uma empresa está na faixa de 19%, e esse Simples, provavelmente, vai ser equalizado com uma nova alíquota, ela teria que migrar para uma alíquota de 27% sem crédito, ou 27% com crédito no Simples híbrido, vamos chamar assim. Esse seria um aumento significativo, mas a empresa teria o crédito das aquisições.

As empresas do setor de comércio realmente precisam fazer esse cálculo, pois, por exemplo, a indústria tem muitos insumos, produtos intermediários e alguns serviços que compõem seus créditos. Para o comércio, essa possibilidade é muito mais restrita.

Bem, dada a sua explicação, vou dispensar a pergunta se vai haver aumento de tributação para as empresas do setor de comércio que estão no Simples. Passando para a próxima pergunta, quais seriam os impactos da reforma tributária nas empresas do setor agropecuário optantes pelo Simples Nacional?

Quando eu penso no setor agropecuário e no Simples, eu só consigo pensar nos seus fornecedores. Se os produtos dessas empresas não estiverem nas exceções da reforma, elas terão o impacto de uma maior tributação. Se seguirmos a regra geral da reforma, essas empresas não estarão, totalmente, no Simples.

De uma forma geral, como você está vendo a discussão da reforma tributária que envolve o Simples Nacional?

Trazer exceções para o Simples, como a possibilidade de recolher o IBS e a CBS de forma particionada, como acontece hoje com o ICMS e o ISS, pode ser bom comercialmente, pois isso faria com que as empresas fossem atrativas para os adquirentes como geradoras de crédito, mas também pode ser o início da transformação do Simples num regime paralelo cheio de exceções.

Essa possibilidade, que o texto atual abre para o Simples ter créditos, pode vir acompanhada pela reforma sobre a renda, o que vai possibilitar outras exceções no futuro.

Restaria a pergunta: o que vai sobrar do Simples se as empresas optarem pelo IBS e pela CBS segregada e se a reforma sobre a renda seguir a mesma tendência dando a mesma opção?

Atualmente, isso é só um alerta, pois já acontece de se recolher o ICMS em substituição tributária e o ISS, em alguns casos, particionado, mas não com possibilidade de crédito. Se isso for uma tendência, por mais que essas exceções possam ser comercialmente vantajosas, elas fugirão à essência inicial do Simples de consolidação e incentivo das micro e pequenas empresas.

Outro ponto é a formação das alíquotas. No estudo que citei, o Ministério da Fazenda cita o exemplo da Hungria, que, dentro da OCDE, é o país que tem a alíquota mais elevada: 27%.

Ocorre que quando um governo faz um cálculo de alíquota para um IVA, ele tem que considerar o índice de sonegação, elisão fiscal, inadimplência e judicialização. Isso se chama hiato de conformidade, que na Hungria é de 10%. Esse parâmetro fez com que as alíquotas brasileiras fossem aumentadas em 10% nos oito cenários diferentes deste estudo.

No cenário A, em que toda a carga é mantida e só haveria benefício para o Simples e para a Zona Franca de Manaus, a alíquota passaria de 20,73% para 22,02%.

No cenário H, com regimes favorecidos e benefícios como os da cesta básica e da educação, nós teríamos uma alíquota de 25,45%, que com o hiato de conformidade da Hungria, passaria para mais de 27%. Nesse momento, nós vemos que o IVA inicialmente proposto de 25% já foi superado com o hiato utilizado.

No futuro, com um cálculo mais apurado, talvez o hiato brasileiro fique discrepante do hiato húngaro, o que pode fazer com que tenhamos uma alíquota um pouco mais alta. Com isso, nós estamos caminhando para um IVA mínimo de 27%.

Depois da Nova Zelândia, a referência agora é a Hungria?

Talvez porque ela tenha um hiato bonitinho.

Monitor Mercantil - Financeiro - RJ - 17/08/2023

Categoria: Geral


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