Após adiamentos e mudanças na proposta, a Prefeitura de São Paulo espera definir ainda este mês o nome da concessionária que será responsável pela implementação e gestão do futuro Parque Campo de Marte por 35 anos. A proposta abrange cerca de 20% da área, em Santana, na zona norte, enquanto a maior parte segue da União. A operação do aeroporto não seria afetada.
O edital da concessão pública tem algumas mudanças em relação ao que foi ventilado até meados da gestão Ricardo Nunes (MDB), com a desistência da criação do museu aeroespacial — o que chegou a ser anunciado em conjunto com o governo federal, em 2017. Em vez disso, a proposta sugere um “empreendimento associado”, uma espécie de centro comercial com a instalação de academia, coworking, lojas, lanchonetes e afins, o que inclui um “rooftop” com vista para o parque.
A licitação prevê uma obra em duas fases, com a entrega integral em até quatro anos. A Mata Atlântica nativa presente em parte do terreno deverá ser recuperada e preservada, enquanto também está prevista a instalação de equipamentos em áreas mais urbanizadas, como pista de skate e um centro poliesportivo.
Além disso, com a mobilização popular, o edital passou a garantir a manutenção do futebol de várzea, com histórico de décadas no local. Segundo o edital, a concessionária será responsável pela realocação, manutenção e reforma dos campos e demais instalações, em parceria com a associação de clubes amadores.
HISTÓRICO. Diferentes prefeitos discutiram a transformação do Campo de Marte em parque ao menos desde os anos 1990. Mais recentemente, em 2017, a gestão João Doria (então no PSDB) e o então presidente Michel Temer (MDB) chegaram a anunciar um acordo, com um desenho de proposta semelhante à atual. O termo de conciliação que colocou fim a uma disputa entre Prefeitura e União por 90 anos somente ocorreu, contudo, em 2022, com a assinatura pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o então presidente Jair Bolsonaro (PL).
No entorno, já há corretores que anunciam imóveis destacando a vizinhança ao futuro parque. Além disso, a recente “minirrevisão do zoneamento” liberou predinhos de maior porte em diversas quadras da Avenida Brás Leme, nas proximidades.
Segundo a licitação, a concessionária selecionada será a que fizer a maior oferta de pagamento inicial à Prefeitura, com o mínimo estabelecido de R$ 305,6 milhões. A estimativa Vitória por maior oferta O mínimo na licitação é de R$ 305,6 milhões, mas se prevê um investimento de R$ 614 milhões em 35 anos é de R$ 614,4 milhões de investimentos ao longo dos 35 anos de concessão. A abertura dos envelopes com as propostas de empresas e consórcios interessados está marcada para o dia 23 de julho.
O edital abrange um área de 385,8 mil m², o que representaria um dos maiores parques urbanos da cidade. Esse montante equivale a quase o triplo da área do Parque do Povo e, ainda, cerca de um terço do tamanho do Ibirapuera, por exemplo.
Na licitação, é exigido o funcionamento por ao menos 12 horas ao dia, com a possibilidade de expansão. A proposta abrange três núcleos: o de preservação (que representa a maior área, com 266,7 mil m²), o de lazer, cultura e esporte (94 mil m²) e o da antiga esplanada (espaço utilizado para estacionamento de carros alegóricos no carnaval, de 25 mil m²). A obra inclui pequenas pontes e passarelas sobre os dois córregos que passam dentro do parque.
Com entrega em um ano e meio, a primeira fase inclui as obras na área dos campos de futebol e a reforma do espaço utilizado por escolas de samba no período do carnaval, que passará a ter piso permeável. Nesse local, de forma facultativa, a concessão permite instalações temporárias para uso público nos demais períodos do ano, como bancos e mesas.
Dentre as intervenções, a fase um exige: cinco campos de futebol; uma cancha de bocha; uma pista de treinamento de corrida; uma pista de skate. Já a 2.ª fase contempla a construção do equipamento poliesportivo e das demais instalações.
Isso inclui, dentre outras intervenções: recuperação total da mata nativa da área de preservação; criação de caminhos e trilhas; implementação de equipamentos de ginástica, quiosques e playgrounds.
Por estar em uma área do curso original do Rio Tietê antes da retificação e ter dois córregos (Tenente Rocha e Baruel), o espaço precisará passar por intervenções de drenagem obrigatória. A concessão envolve tanto obrigações quanto intervenções permitidas e sugeridas, cuja implementação não é exigida. Nesse caso, o “empreendimento associado” é tratado como a possível maior fonte de renda da concessão, além de cobrar estacionamento e explorar quiosques, por exemplo.
Segundo o edital, esse empreendimento poderá ter 27,1 mil m² de espaço construído. Outras fontes de renda indicadas (e não obrigatórias) são aluguel de bicicletas e implementação de espaço de tirolesa e arvorismo.
REAÇÕES. O Estadão procurou dois especialistas. Ambos afirmam que o modelo adotado para a concessão é incomum no País. Consultor em parcerias público-privadas, Fernando Pieroni destaca que “esse modelo de concessão pode ser melhor do que se fosse gasto um dinheiro grande para implantar e, depois, ficasse sem
meios para manter”.
Ex-coordenador de projetos de parques na Secretaria do Verde e Meio Ambiente, o arquiteto e urbanista Matheus Casimiro aponta que a concessionária vai cuidar de toda a cadeia. “Há a possibilidade de pensar cada uma das etapas pensando exclusivamente no seu próprio benefício”, diz ele, professor da Universidade Mackenzie. “É um modelo que tende a fragilizar a instância de controle pelo poder público.”
Já a Associação dos Clubes Mantenedores do Complexo Esportivo Cultural e Cidadania do Campo de Marte se tornou favorável à concessão. “Vai melhorar a qualidade de vida da zona norte”, diz Otacilio Ribeiro, presidente da associação. “Foi uma luta enorme da comunidade pela preservação de um dos últimos redutos do futebol de várzea.”
O Estado de S. Paulo - Metrópole - SP - 17/07/2024