Símbolo de São Paulo, a avenida Paulista já foi a mais procurada da capital para empreendimentos corporativos, mas, ao longo de décadas, perdeu o protagonismo para outras regiões, notadamente a Faria Lima. Um movimento recente de investidores, no entanto, tem recuperado parte da relevância da avenida e de ruas no seu entorno como sede de escritórios, em uma onda de revitalização - o retrofit - de edifícios que eleva o valor dos imóveis e, em alguns casos, dobra o preço do metro quadrado.
Segundo levantamento da consultoria global Jones Lang LaSalle (JLL), a pedido da Bloomberg Línea, 15,6% do estoque total da região da Paulista – aproximadamente 170 mil m² – passou por retrofit. Dos imóveis de alto padrão (AA e A, na nomenclatura da consultoria), 35% passaram pelo processo.
O setor financeiro é o mais relevante no espaço ocupado. As dez maiores empresas – metade do setor financeiro – representam 30% da área total ocupada na região.
Segundo a diretora de locações de escritórios da JLL, Yara Matsuyama, há um acréscimo no valor do metro quadrado em prédios que passaram por retrofit na região da avenida Paulista.
O caso de maior aumento, segundo o levantamento da JLL, foi verificado no edifício Bravo Paulista, que fica na alameda Santos próximo ao parque Trianon. O prédio foi comprado em 2020 por um fundo imobiliário (RCRB11) da gestora Rio Bravo Investimentos. O preço do metro quadrado subiu de R$ 55 para R$ 130 logo após a conclusão do retrofit. Hoje, esse valor está em cerca de R$ 100, segundo a consultoria.
“O retrofit na região da Avenida Paulista tem como objetivo levar novas tecnologias a edifícios mais antigos, dentro do que é possível ser feito. Trata-se de um eixo importante, com fácil acesso para a cidade inteira. Vemos muitas empresas interessadas nessa malha”, disse Matsuyama.
Conforme o levantamento, também houve um aumento de valor do metro quadrado no edifício Martiniano de Carvalho, de propriedade de um fundo imobiliário do Credit Suisse (CSHG): o preço passou de R$ 70 para R$ 90 depois da reforma. Atualmente, o metro quadrado está em R$ 95.
Também na alameda Santos, paralela à Avenida Paulista para o lado dos Jardins, o metro quadrado do edifício 2477 teve um aumento de preço de R$ 75 para R$ 100 o metro quadrado depois do retrofit. O prédio é de propriedade da São Carlos Empreendimentos (SCAR3), empresa controlada pelas famílias dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
A JLL apontou ainda que o Brazilian Financial Center, do fundo imobiliário BRCR11, do BTG Pactual (BPAC11), obteve um upgrade em sua classificação após o processo de retrofit. O prédio que foi conhecido no passado por abrigar a sede do extinto Banco Real (adquirido pelo Santander) hoje abriga inquilinos como a emissora CNN Brasil e a WeWork, além do Banco Pan (BPAN4), entre outros.
“Há casos em que é possível deixar o prédio mais atualizado com o retrofit, o que acaba sendo um diferencial, como o Brazilian Financial, que tem uma procura grande”, afirmou João Toazza, sócio e gestor da Hedge Investments, uma das maiores gestoras de fundos imobiliários do país.
Na avaliação do CEO da HSI, gestora de fundos imobiliários e atuação em real estate, Maximo Lima, a avenida Paulista, apesar de imóveis em geral mais antigos, apresenta uma vantagem competitiva em relação a outras regiões com grande concentração de escritórios: a infraestrutura urbana. “A Faria Lima não tem nada, só uma ciclovia e muito trânsito. E é a mais valorizada de São Paulo.”
Segundo o gestor, o ponto forte da Paulista é a oferta abundante de metrô - há cinco estações e três linhas diferentes em sua extensão, de linhas de ônibus e a localização relativamente central. A depender da atividade exercida pelo inquilino, apontou, é uma região bastante adequada.
“Investidores ainda gostam da Paulista por causa disso e porque apresenta certa estabilidade: o aluguel não dispara mas também não despenca em momentos de crise”, afirmou. Segundo o CEO da HSI, a região funciona com eficiência para o investidor que busca renda sem grandes “sustos”.
Desafios: conta tem que fechar
A onda de revitalização de edifícios comerciais na região da Paulista em muitos casos vai além da fachada. O sócio e gestor da Alianza, gestora de fundos imobiliários, Fábio Carvalho, disse que há muitos prédios antigos, com estruturas elétrica, hidráulica e de ar-condicionado desatualizadas, além de pé-direito mais baixo do que em construções mais recentes e, portanto, consideradas modernas.
“Os empreendimentos da Paulista têm dificuldade de competir com os da Faria Lima e os do Itaim como um todo”, afirmou o gestor.
Segundo ele, outro obstáculo é a elevação nos últimos anos dos custos de construção, o que exige de investidores quantias ainda maiores para a renovação ou o desenvolvimento de novos empreendimentos, sem contar o aumento do custo de capital. “Levaria muito tempo para ter o retorno”, disse.
Matsuyama afirmou que os prédios corporativos da região da Paulista foram concebidos em uma época de grande relevância atribuída ao patrimônio, o que levou a uma grande pulverização das propriedades dos edifícios. Isso significa que “é difícil conseguir maioria para aprovar um retrofit”.
Segundo a executiva, boa parte dos empreendimentos da região da Paulista tem um padrão antigo de construção, com itens considerados ineficientes, como elevadores defasados. “O grande desafio é trabalhar na modernização de um prédio de meados da década de 1970 e garantir um custo de retrofit viável para manter ou elevar o valor de locação. A conta tem que fechar.”
Há casos em que isso acontece com a propriedade do prédio de forma integral. Toazza, da Hedge, disse que um prédio residencial na Alameda Santos de propriedade do fundo Hedge Office Income FII foi 100% transformado em comercial depois que um empreendedor se dispôs a comprar unidade após unidade até obter a totalidade do edifício.
“Logo que esse projeto foi finalizado, foi 100% locado para um escritório de advocacia de primeira linha, que renovou o contrato por mais sete anos em 2022, porque não havia outra alternativa de prédio com aquela qualidade e a metragem disponível na região da Paulista”, contou o executivo.
Faria Lima: vacância reduzida leva à ‘migração’
Segundo a JLL, a vacância na região da Paulista está em torno de 14,5%, em média. “É um nível equilibrado, com opções disponíveis. Se há pouca oferta, já começa um movimento de aumento de preço”, disse Matsuyama.
É o que tem acontecido na Faria Lima já há mais tempo. O nível de vacância, segundo a JLL, está em 4,5% na região, com o metro quadrado em torno de R$ 250. É resultado de uma combinação de uma região altamente demandada com pouco oferta nova - os melhores escritórios estão ocupados.
Nesse cenário, o CEO da HSI disse acreditar em um movimento de migração da Faria Lima para regiões próximas, como as proximidades da avenida Rebouças e do Largo da Batata, já no bairro de Pinheiros, por exemplo. “Essas regiões vão acabar se beneficiando”, disse Lima.
O gestor disse que o histórico da Faria Lima e da Chucri Zaidan, eixo de escritórios na zona sul da capital paulista, é um diferencial em relação à avenida Paulista, já que essas duas regiões se desenvolveram com prédios corporativos de proprietários profissionais, basicamente fundos de investimentos - e isso significa que programam capex periódico para a renovação dos empreendimentos.
“A tendência desses edifícios é envelhecer melhor. Alguns na Paulista não precisam somente de uma plástica, mas de um recomeço. Só retrofit não vai ajudar a elevar o valor do metro quadrado.” (Foto: CNB)
Bloomberg Línea, 14/04/2023