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Magrelas chiques

É fim de tarde na Avenida Faria Lima, o principal eixo financeiro de São Paulo e do país. Entre as buzinas dos automóveis presos no trânsito, um segundo "congestionamento", na ciclofaixa que corta o canteiro central da via, revela uma nova cara dos ciclistas da cidade.

Nos últimos meses, as bicicletas das ciclovias paulistanas passaram a dividir espaço com um número cada vez maior de modelos de duas rodas que contam com algum tipo de ajuda para acelerar — sejam as bikes elétricas (que têm um motor auxiliar), os autopropelidos (semelhantes a pequenas scooters e às vezes sem pedal) ou mesmo os ciclomotores (que chegam a 50 km/h e requerem emplacamento e carteira de habilitação do tipo ACC). Esses últimos, em tese, não poderiam circular pelas ciclofaixas, mas é comum flagrá-los nessas pistas.

Por um lado, o fenômeno impulsiona novos negócios, como a customização das elétricas, que já tem lojas com modelos de até R$ 17 mil. Mas os novos — e velozes — frequentadores do pedaço têm despertado a ira dos ciclistas "raiz" da cidade.

— Os caras reclamam de quem pedala devagar. Tento dialogar, mas não estão abertos a isso, só querem chegar o mais rápido possível em casa — conta Augusto.

A profusão dos modelos modernos é fruto de uma mudança na legislação. Em junho de 2023, o Contran, órgão que regulamenta o trânsito do país, atualizou a classificação para bicicletas elétricas, autopropelidos e ciclomotores, definindo claramente o que são cada um deles.

— Isso trouxe segurança jurídica para as empresas e usuários, que agora sabem o que podem comprar — diz Bernardo Omar, 43, sócio da Bee Elétricas, que fabrica autopropelidos que custam a partir de R$ 9.990 e tem lojas em São Paulo, Rio de Janeiro e Portugal.

As novas regras também resultaram em modelos mais rápidos — justamente a principal causa de incômodos entre os ciclistas tradicionais. O limite de potência de bicicletas elétricas foi de 350 para 1000 watts, enquanto a velocidade máxima permitida subiu de 25 km/h para 32km/h. A clientela parece ter aprovado.

— O fato é que as importações explodiram. Em 2021, foram 15.936 modelos trazidos ao Brasil. Em 2022, subiu para 19.875. Em 2023, chegou a 139.417 — diz Daniel Guth, 40, diretor da Aliança Bike, entidade do setor que levantou os dados com a Receita Federal. — Todos entraram como bicicletas elétricas, embora alguns fossem autopropelidos, mas o termo não é usado nas importações — explica Guth.

Na indústria nacional, a tendência do setor também é de alta. Segundo dados da Abraciclo, que representa fabricantes, o número de bicicletas elétricas produzidas em Manaus foi de 10.800 em 2022 para 11.500 em 2023. Neste ano, a expectativa é de 12.500 unidades.

Segundo a Aliança Bike, o preço médio de uma bicicleta elétrica fica na casa dos R$ 6,8 mil — mas, claro, alguns modelos ultrapassam de longe esse patamar. Os clientes que aquecem esse mercado são figuras facilmente identificáveis em avenidas como a Faria Lima ou a Paulista.

— Uso a minha bicicleta elétrica principalmente para ir ao trabalho. Mudei para São Paulo em fevereiro e a malha cicloviária daqui é melhor que a do Rio — diz o economista Guilherme Castro, 28, de camisa social e calça jeans, morador de Moema que trabalha na Faria Lima.

Guilherme optou por uma elétrica da fabricante carioca Lev, que tem lojas em São Paulo onde os modelos mais baratos saem na faixa de R$ 8 mil. Outra marca de sucesso na capital paulista, conhecida pela personalização, é a Bendita Elettrica. Até o ano passado, a empresa era especializada na customização de motos. As elétricas da grife custam até R$ 16.990 e lembram pequenas motos clássicas: pneus grossos, rodas de alumínio, suspensão hidráulica, freios a disco e itens personalizáveis.

A fotógrafa Olívia Rios e o empreendedor Rodrigo Marcondes, fundador da Bendita: moradores do Itaim Bibi — Foto: Edilson Dantas/ O Globo A fotógrafa Olívia Rios e o empreendedor Rodrigo Marcondes, fundador da Bendita: moradores do Itaim Bibi — Foto: Edilson Dantas/ O Globo Na Bendita, o cliente escolhe a cor do "tanque" (que, apesar do formato, é uma bateria) e muda o tipo de banco, entre outras customizações. A marca monta os produtos no bairro do Cambuci, na Zona Sul. Iniciou as vendas em setembro com 50 unidades, esgotadas em janeiro. Agora, produz uma nova leva de 200 bikes e tem planos de vender em outras capitais. Um dos usuários, claro, é o fundador do negócio.

— Faço tudo com a minha elétrica: vou ao trabalho, à farmácia, levo a filha à escola... — conta Rodrigo Marcondes, 47, morador do Itaim Bibi e criador da Bendita. — A elétrica leva a gente a distâncias maiores sem ficar todo suado — completa Olívia Rios, 45, fotógrafa e esposa de Rodrigo, que usa uma bicicleta normal no cotidiano, mas sente falta da elétrica que usou por alguns meses.

No fluxo entre os bairros nobres da metrópole, essas novas "magrelas" se tornaram comuns na paisagem:

— Moro nos Jardins e trabalho na Vila Mariana. Fazia o percurso em 45 minutos de metrô, hoje gasto 20 minutos de bike elétrica — conta o publicitário Gabriel Valença, 45, que escolheu um modelo da Bendita pelo apelo visual da marca.

Motorizados x Ciclistas 'raiz' Os novos equipamentos disputam espaço com as bicicletas convencionais nos 731 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas de São Paulo, onde os limites de velocidade variam de 20 a 25 km/h. Nem sempre a convivência é harmoniosa. 

— Já tive brigas com esse pessoal, eles passam gritando, pedindo pra gente ir para o lado e dar espaço para ultrapassarem — reclama o entregador de aplicativo Rafael Benfatti, 24, que costuma circular pela região da Faria Lima. — Parece que eles (usuários das elétricas) querem exigir que quem usa as bicicletas normais também ande em altas velocidades — ele diz.

Para os ciclistas das antigas, os usuários das bikes motorizadas "importaram" a maneira de dirigir dos motoristas de carro para as ciclovias:

— Vem um cara com uma “mini-harley” querendo ultrapassar todo mundo... Ainda não desligaram a mentalidade do carro — diz Murilo Casagrande, 41, ciclista e diretor do instituto Aromeiazero. — Acho interessante que tenham deixado o carro na garagem para trocar por um desses novos equipamentos, mas as ciclovias da cidade são estreitas — ele completa.

Para especialistas no pedal, como a cicloativista Renata Falzoni, 70, é possível que todos convivam em harmonia. Para isso, o importante é manter o foco no respeito e na segurança nas ciclovias:

— Eles são muito mais pesados e velozes para disputar espaço com as bikes na ciclovia. Mas não os condeno, porque na rua são eles que sofrem com o peso dos automóveis maiores — ela pondera. Os novos equipamentos são bem-vindos, desde que não impactem na nossa segurança — conclui.

Os usuários e fabricantes das motorizadas concordam que, por vezes, faltam boas maneiras. Mas apontam, também, falhas da prefeitura em monitorar o uso das ciclovias.

— Precisamos de uma nova fiscalização, que hoje não existe — opina Bernardo Omar, da Bee. — Quando você entra em uma ciclovia, precisa entender que tem gente pedalando em velocidade menor. Se quer desenvolver mais velocidade, vá para a rua — completa Marcondes, da Bendita.

Procurada, a prefeitura lembra que bicicletas elétricas e autopropelidos podem utilizar as ciclovias, enquanto ciclomotores são vetados. Segundo a nota, a fiscalização das infraestruturas cicloviárias faz parte da “rotina e atribuições” da CET. A gestão Ricardo Nunes (MDB), no entanto, ainda não adequou ou atualizou as normas das ciclofaixas após a regulamentação do Contran de 2023. (Imagem: divulgação)

O Globo - Brasil - RJ - 21/04/2024

Categoria: Geral


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