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Imposto mínimo, distorção máxima

Em meio a um cenário de aperto orçamentário e promessas de alívio tributário para a base da pirâmide, o governo federal apresentou o Projeto de Lei n.º 1.087/2025, que cria um Imposto de Renda Mínimo para pessoas físicas com rendimentos anuais acima de R$ 600 mil, além de instituir uma retenção de 10% sobre lucros e dividendos pagos acima de R$ 50 mil mensais. A proposta foi saudada como medida de justiça fiscal. No entanto, a forma como é construída e o contexto em que surge, revela mais sobre os limites da política tributária brasileira do que sobre seu suposto avanço.

É preciso começar por uma pergunta incômoda: rico, comparado a quem? Em termos estatísticos, poucos brasileiros alcançam rendimentos superiores a R$ 600 mil por ano. Mas a questão de fundo não é apenas quantitativa, e sim comparativa. Em países desenvolvidos, uma renda nesse patamar coloca o contribuinte na faixa da classe média alta, não entre os grandes acumuladores de capital. Tratar esse perfil como “super-rico” apenas reforça a inversão lógica em que se apoia o populismo fiscal: em vez de combater a pobreza com crescimento e mobilidade, deslocase o debate para a tributação exemplar, quase em tom revanchista, de quem escapou da média. O problema não está em quem ganha mais, mas no fato de tantos ganharem tão pouco.

A proposta traz também problemas técnicos relevantes. Em vez de reformar de forma orgânica o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e integrá-lo ao da pessoa física, como fazem os países da OCDE, o governo mantém a carga elevada na empresa (34%) e simplesmente adiciona uma nova tributação na distribuição dos lucros. Para evitar bitributação desmedida, propõe-se um redutor que ajusta o imposto mínimo da pessoa física conforme quanto já foi pago na empresa. Embora conceitualmente defensável, o mecanismo é de difícil compreensão e aplicação, exigindo cálculos refinados e criando mais uma camada de complexidade, justamente num sistema que já padece de excesso de normas, exceções e interpretações conflitantes.

O PL 1.087/2025 ainda se sobrepõe a um processo já sensível: a transição para um novo regime de tributação sobre o consumo e os serviços, com a substituição de ICMS, ISS, PIS e Cofins por um IVA dual, composto pelo IBS e pela CBS. Embora a reforma tenha méritos de racionalização, trará consigo alíquotas estimadas em torno de 27%, o que posicionará o IVA brasileiro entre os mais altos do mundo, bem acima da média da OCDE. A coexistência de dois sistemas até 2032 imporá um pesado ônus administrativo, sobretudo para o setor de serviços, altamente empregador e sujeito a margens mais estreitas. A conjugação de regras novas e complexas sobre a renda com um novo sistema igualmente intrincado tende a elevar o custo de conformidade e a insegurança jurídica.

Mais grave, contudo, é o que a proposta revela sobre o modelo de formulação de políticas públicas no Brasil. O PL surge como uma resposta emergencial à renúncia fiscal provocada pela ampliação da faixa de isenção do IR. Uma medida popular, porém sem lastro em revisão estrutural do sistema. A escolha de tributar mais duramente uma faixa específica da população soa bem ao público, mas não vem acompanhada de uma estratégia integrada de reforma tributária, nem de estímulos à competitividade, ao investimento ou à formalização da economia.

E mesmo no aspecto arrecadatório, o projeto ignora efeitos colaterais significativos. A inclusão de rendimentos isentos, como os oriundos de CRIs, CRAs e debêntures incentivadas, na base do novo imposto mínimo fragiliza a lógica dos instrumentos de fomento utilizados pelo próprio Estado. Esses títulos foram criados para estimular o financiamento privado de setores como construção civil, agroindústria e infraestrutura, em contextos de escassez de crédito e juros elevados. Ao tributar esses rendimentos indiretamente, o governo compromete a atratividade desses mecanismos, afeta negativamente o custo de financiamento e subverte a política pública que os originou. A política fiscal, nesse ponto, passa a agir contra a política de desenvolvimento, revelando mais uma vez a ausência de coordenação institucional.

Tampouco se discute, com a mesma intensidade, o lado da despesa. O debate fiscal brasileiro permanece excessivamente centrado na arrecadação, como se elevar impostos fosse solução perene para desequilíbrios estruturais. O Estado brasileiro arrecada muito, mas gasta mal. Não há planejamento transparente, nem correlação clara entre os tributos pagos e os serviços públicos recebidos. Enquanto políticas públicas forem desenhadas apenas a partir da urgência de tapar buracos orçamentários, sem enfrentar com seriedade a qualidade e o direcionamento do gasto público, continuaremos presos a uma lógica de remendos e não de soluções estruturais.

A justiça fiscal é uma meta legítima e necessária. Mas precisa ser perseguida com coerência institucional, segurança jurídica e visão estratégica. Medidas isoladas, ainda que bem-intencionadas, não promovem equidade efetiva. Podem gerar manchetes e votos. Mas não geram o desenvolvimento de que o País tanto necessita.

O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto - SP - 15/04/2025

Categoria: Geral


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