É uma forma diferente das marcas interagirem com um público nichado ao venderem produtos exclusivos e temáticos que não estão disponíveis nas lojas fixas, como fez a Biscoitê na exposição Klimt e Gaudí, no Shopping Mooca
O movimento de reinvenção dos shoppings como um espaço além das compras é algo cada vez mais concreto. No Brasil, o crescimento das opções de serviços, lazer e entretenimento dentro desses empreendimentos faz com que eles passem a ter novas funções para os consumidores e também para os lojistas.
Há um ano, a Biscoitê, rede de biscoitos e cafeteria, passou a explorar uma dessas novidades ao ser escalada como o café oficial da Barbie Dreamhouse Experience, no JK Iguatemi, e depois, no Iguatemi Campinas.
Na ocasião, o público circulava por uma área de 650 metros quadrados e explorava a icônica mansão da Barbie, com dormitórios reproduzidos em tamanho real até, finalmente, chegar a um café temático em tons de rosa. Repleto de produtos personalizados pela marca, como um café pink e um motorhome feito de biscoitos, com sacos de glacê coloridos para decorar, vendido dentro de uma caixa como se fosse um brinquedo - uma exclusividade daquela loja.
"Dificilmente uma criança não vai querer ter essa experiência após uma superexposição da personagem. Nesse momento, a família toda entra em contato com a Biscoitê ou presta atenção melhor na loja e desenvolve uma relação com a marca", diz Thiago Carloni, da Soul Retail.
A Casa Warner, outra exposição interativa em cartaz no último ano no Shopping Eldorado, em São Paulo, comemorou os 100 anos dos estúdios Warner Bros. Nos mesmos moldes do espaço de café da Barbie, os fãs tiveram acesso a produtos personalizados em uma cafeteria da Melitta montada próxima de personagens e cenários que faziam referências a Tom & Jerry, Looney Tunes, Friends, Harry Potter, O Senhor dos Anéis entre outras.
Responsável por adaptar o espaço físico do café da Biscoitê aos moldes estabelecidos pela organizadora do evento, Carloni diz que esse formato de loja - que tem em média 20 metros quadrados - pode custar cerca de 50% menos do que montar uma pop-up store, ou loja temporária, por isso vale como experiência para quem pensa em testar o formato.
Raul Matos, fundador da Biscoitê, concorda. Pensando no fluxo de implantação, abastecimento da loja, contratação de pessoas e divulgação da presença da marca no espaço, Matos diz se aproximar muito do que é feito na abertura de uma loja com a complexidade extra de ter toda uma estrutura cenográfica diferenciada.
"Além disso, alavanca as vendas da loja que já temos no shopping, pois os visitantes acabam conhecendo a Biscoitê e voltam mesmo quando a exposição já encerrou", disse Matos.
Ganha-se também em potencial de mercado, já que essas exposições são um destino e, portanto, trazem visitantes de outras cidades e até Estados, ampliando a exposição da marca para lugares onde ela não está presente.
Quando esteve em cartaz no JK Iguatemi, por exemplo, a Barbie Dreamhouse teve esgotamento de ingressos antes de abrir. Foi preciso mudar o horário de funcionamento do shopping por conta da demanda. A mostra vendeu 55 mil ingressos em uma quinzena.
Para Carloni, o principal desafio é garantir que toda leva de clientes que chega de uma vez ao local após cada rodada de visitação seja bem recebida e atendida. E isso, em dias de lotação máxima, acontece a cada 15 minutos. Portanto, a loja tem que funcionar para atender ao mesmo tempo quem estende a permanência (são 40 lugares sentados) e aqueles que só querem levar uma lembrança.
Fundada em 2012 e com três formatos de loja - o quiosque, o carrinho e as cafeterias entre 20 e 40 metros quadrados -, a Biscoitê produz mais de 100 tipos de biscoitos e oferece serviço completo de cafeteria.
Após essa primeira experiência imersiva da rede de biscoitos, outros convites vieram, como o mais recente “Klimt e Gaudí: O Impossível Existe”, no Shopping Mooca, e a futura estreia, no dia 28 de novembro, como café oficial da Friends Experience SP, o Central Perk.
"Algo único, é a fórmula Disney. Você sai encantado de um brinquedo e dá de cara com uma lojinha que traz lembranças daquilo que você viveu", define Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls. Segundo ele, o modelo pode ser reconhecido como uma vertente da Location Based Entertainment (LBE) - em português, entretenimento baseado em lugares. O principal recurso para fazer disso um sucesso é justamente criar momentos que não podem ser replicados em casa.
A temática é ainda melhor desenvolvida nos Estados Unidos, onde uma pesquisa divulgada pela Precedence Research aponta uma expectativa de que o mercado norte-americano de LBE mais que duplique, passando de sua avaliação atual de US$ 1,4 milhão para US$ 2,9 milhões até 2028.
Segundo Marinho, para os shoppings, é uma forma estratégica de rentabilizar um espaço que vai além dos destinados às lojas, restaurantes e quiosques, e mostra que o setor entendeu as mudanças de comportamento do consumidor. Todo mundo ganha: o shopping, em diversidade de público, e o operador do evento, que já inaugura com um público em potencial.
APOSTA NO ENTRETENIMENTO
Um estudo da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) divulgado em 2023 faz coro a essa tendência de que o cliente identifica cada vez mais os shoppings como centros de convivência, e não comerciais. Ao somar os percentuais de visitas motivadas por alimentação e lazer, chega-se a 52% do total, contra 43% das pessoas que vão ao empreendimento pelas compras.
Pensando nesse mercado, o Cidade São Paulo Shopping, na avenida Paulista, por onde circulam cerca de 12 milhões de pessoas ao ano, já foi construído com a perspectiva de não ser apenas um centro de compras. Há três anos, o empreendimento passou por uma reformulação e intensificou a busca por eventos e ações de marketing. Com isso, acabou descobrindo um novo negócio, segundo Ricardo Loducca, diretor comercial e de marketing da SYN.
Desde então, a vocação por entretenimento, eventos, ativações e mídias tem ampliado ano a ano, e mesmo sem revelar valores, a receita para ativações das campanhas das marcas já passa o faturamento do estacionamento, de acordo com a operadora do empreendimento.
Em 2023, os shoppings da companhia Multiplan, que incluem o Shopping Morumbi e o Barra Shopping, no Rio de Janeiro, realizaram 1.071 eventos, com o objetivo de melhorar a experiência dos visitantes e alavancar as vendas. Um desses eventos de grande sucesso foi a exposição imersiva “Beyond Van Gogh”, que nos quatro meses em que esteve no Shopping Morumbi atraiu 370 mil pessoas.
A mostra, que celebrou as obras do pintor holandês Vicent Van Gogh, foi montada no estacionamento do shopping em mais de 2 mil metros quadrados. A exibição das projeções digitais gerou para o Shopping Morumbi aumento das vendas de 40,8% no período, comparando-se aos dados de 2019 (pré-pandemia).
Ainda que os números comprovem aderência a esse tipo de programa, Marinho alerta para alguns desafios à frente. De forma geral, esses obstáculos estão relacionados com o fortalecimento do shopping em se posicionar como Share of Life, que significa fazer parte - cada vez mais - da vida dos clientes. Fazer exames, ir à academia, passear com o cachorro, celebrar o aniversário, se hospedar e, claro, acabar fazendo compras.
Falando especificamente sobre as exposições, Marinho faz um paralelo entre o momento atual e os anos de 1980, quando a integração dos cinemas ao mix desses centros comerciais trazia dúvidas aos lojistas. Muitos acreditavam que os frequentadores dos cinemas ocupariam as vagas de estacionamento dos consumidores, sem contribuir para melhorar as vendas das lojas.
Hoje, embora os cinemas enfrentem um esvaziamento por conta do streaming e estejam muito dependentes de grandes lançamentos, eles reforçam a proposta de entretenimento e, é provável, na opinião de Marinho, que vários shoppings passem a ter estruturas fixas para essas grandes exposições e outras atrações, como pista de patinação de gelo, parques, food halls e até espaços para formaturas e casamentos.
Para Marinho, o empreendimento que colherá bons resultados será aquele que apresentar uma razão para a visita do consumidor, pois as idas por necessidade deixaram de existir com o e-commerce.
“Esse movimento de mudança vem acompanhado também de uma transformação visual. A própria arquitetura passa de uma caixa fechada para um espaço mais aberto, integrado às áreas externas. Vale a pena até perder vagas de estacionamento, exceto em épocas como o Natal, para receber esses eventos. O próprio crescimento dos apps de transporte indicam isso", disse Marinho. (Imagem: divulgação)
Diário do Comércio, 12/Nov/2024 (https://dcomercio.com.br/publicacao/s/exposicoes-imersivas-em-shoppings-geram-novos-pontos-de-venda-para-o-varejo)