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A Prefeitura de São Paulo estuda adotar de forma permanente a extensão do rodízio de veículos para o dia todo, modalidade testada durante a Copa do Mundo. A medida divide os paulistanos - 49% da população aprovam a medida, segundo recente pesquisa Datafolha. Os protestos de junho de 2013 e a movimentação em torno do Mundial ampliaram definitivamente o debate sobre as questões urbanas no Brasil: nossa atual imobilidade, o direito à cidade e, acima de tudo, a necessidade de uma visão compartilhada sobre as cidades nas quais queremos viver.
Nas últimas cinco décadas, observamos como o automóvel passou a dominar as ruas, com o pedestre e o transporte público sendo gradativamente desvalorizados. Algumas das nossas cidades não estão longe do colapso, resultado da inexistência de políticas integradas de transporte, uso e ocupação do solo. Os efeitos colaterais do modelo que adotamos, centrado no carro, são visíveis: degradação do meio ambiente, caos no trânsito, perda de produtividade, número crescente de mortes no trânsito e piora na qualidade de vida. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas do ano passado, os custos sociais dos congestionamentos chegam a R$ 40 bilhões na capital paulistana. Esses custos são pagos por todos, motoristas ou não. Se nada for feito, a tendência é que esse cenário se agrave. A frota de veículos no País não para de crescer, com um aumento assustador de 100% em dez anos (2002 a 2012), segundo o "Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários", documento produzido pelo Ministério do Meio Ambiente. É insustentável e impossível, sob o ponto de vista físico, aumentar a infraestrutura viária indefinidamente para absorver esse crescimento.
O espaço viário é um bem público escasso que deve ser repensado para que seja, de fato, de todos. Medidas de desestímulo como o rodízio estendido são, portanto, muito bem-vindas. No entanto, isoladas, não darão conta do problema. O rodízio tem sido o principal instrumento de gestão de demanda aplicado na América Latina. Um estudo recente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em parceria com o ITDP (sigla em inglês para Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), identificou as limitações do rodízio de carros, incluindo a conhecida "compra do segundo carro": em geral mais barato, com padrão inferior de emissão de gases e que contribui para a piora dos congestionamentos fora do horário de pico. É importante que o rodízio faça parte de uma política restritiva mais ampla, com políticas de estacionamento, fim dos subsídios ao combustível e pedágio urbano. Além disso, essas medidas devem caminhar de mãos dadas com o investimento contínuo em transporte público de qualidade e da requalificação do espaço público para o pedestre e para o ciclista. O Plano Municipal de Mobilidade Urbana, atualmente em fase de discussão em São Paulo, oferece a plataforma adequada para se pensar na integração de todas essas iniciativas.
O plano de mobilidade deve estar alinhado com o Plano Diretor Estratégico, recém-aprovado e que já avança nessa discussão, sobretudo com a revisão dos parâmetros de estacionamento ao longo dos eixos estruturantes de transporte de alta capacidade. As metrópoles que enfrentarem seus desafios em mobilidade urbana vão dar um salto de desenvolvimento, o que é tão necessário e urgente no Brasil. A mobilidade é a chave para cidades com mais qualidade de vida e menos desigualdade. Governo e sociedade, juntos, podem abrir essa porta (opinião favorável de CLARISSE LINKE, diretora do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento).
Restrição sem alternativas é ineficaz
A falta de alternativas de transporte coletivo que atendam os deslocamentos pela cidade impõe o uso do transporte individual a todas as classes sociais. Hoje, com um índice de motorização de 66,2 veículos por 100 habitantes, a ampliação do rodízio atingirá a pobres e ricos. A diferença é que os ricos contornarão a restrição usando outro carro. O vetor primordial da aglomeração urbana é a economia, sendo o trabalho o mais significativo fator de exigência de grande volume de locomoção.
O trânsito, entretanto, não é o maior problema da área metropolitana de São Paulo e de outras cidades brasileiras; os mais graves são o desenho urbano e o saneamento. A circulação urbana no Brasil é insegura e morosa demais, consequência de quase um século de altos recursos mal investidos.
Medidas restritivas na circulação dos veículos nunca faltaram, em contradição com outras políticas públicas equivocadas, que estimularam o aumento da frota para poder salvar o setor automotivo. Em 1997, quando da efetivação do rodízio no horário de pico no centro expandido de São Paulo, o índice de motorização era de 46,2 veículos por 100 habitantes. Desesperada, por não ter investido corretamente nas necessárias intervenções de trânsito e de transporte no passado, a prefeitura apelou para um rodízio diário para 20% da frota. Houve alívio transitório, mas, como os equívocos continuaram, chegamos ao ponto em que neste ano, durante a Copa, para não passarmos vergonha perante o mundo, implantou-se de improviso o rodízio ampliado para o dia todo. A Prefeitura de São Paulo agora propaga que pode instituir o rodízio estendido. Ou seja, quer tomar mais uma atitude na base do "acho que vai dar certo".
O Executivo municipal sempre quer controlar com restrições os problemas que não é competente para resolver. Até hoje, não foi apresentado qualquer estudo sério sobre o desempenho do tráfego nessas condições. Mesmo que algum efeito óbvio possa ser constatado, pois a redução do número de veículos em circulação traz um alívio imediato, a medida tem prazo limitado e poderá piorar a situação da cidade. Melhorias a médio ou longo prazo somente serão atingidas com mudanças estruturais sobre o transporte público - coisa que esse paliativo operacional e provisório não traz. A aplicação dos horários do rodízio para o dia todo para os usuários dos transportes individuais vai resultar no incremento da aquisição de segundo carro e, consequentemente, no aumento da frota de automóveis com reflexos negativos nos congestionamentos. A única alternativa oferecida pela prefeitura para quem se desloca foi a implantação de 300 km de faixas de ônibus exclusivas à direita, medida que teve resultados pífios.
O número de passageiros na rede de ônibus beneficiada por essas faixas resultou em um aumento de apenas 2%, aproximadamente, comparando-se o primeiro trimestre deste ano com o mesmo período do ano passado. A melhoria da velocidade dos ônibus não foi acompanhada pela melhoria da rede de serviço e não trouxe novas opções de viagem aos usuários. Ouso sugerir uma medida que pode ajudar a resolver o problema do trânsito em São Paulo é a implementação de rodízios nos postos de trabalho.
Nesse caso, se trabalha menos dias por semana, mas por um número maior de horas, usando melhor a infraestrutura e os postos de trabalho. Serão menos horas perdidas por ano e mais horas trabalhadas por dia. Para efetivar esse rodízio, no entanto, é necessário mudar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e flexibilizar as legislações ultrapassadas que vão contra os interesses da população (opinião de LUIZ CÉLIO BOTTURA, consultor em engenharia urbana, foi presidente do Dersa - Desenvolvimento Rodoviário S/A, governo Montoro).
Fonte: Folha de S. Paulo, 26 de julho de 2014

Categoria: Cidade


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